segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Marcelo Marchioro (1952-2014)

Li há pouco sobre a morte, na semana passada, do diretor de teatro curitibano Marcelo Marchioro. O texto, do maestro Osvaldo Colarusso, listou uma série de produções dele, entre peças e óperas, principalmente nos anos 90. 

E aí que bateu uma-coisa-assim-meio-que-não-sei-explicar. Saudade, mas não saudosismo, sem sensação de que o Eldorado lá atrás ficou. Lendo os nomes de atores, músicos, peças, diretores é como se fosse “lendo” outros espaços e tempos pelos quais circulei. Que vêm claro, emaranhados com mais lugares, gentes, atividades, num vai e volta que zumbe nas memórias. 

Numa das últimas conversas com o Jair, falamos sobre “saudades de ver uma peça do Marchioro”, como ele disse. Não tem mais Jajá nem Marchioro, suas peças e nem o Teatro de Comédia do Paraná. Certamente há outras coisas, não as conheço, não circulo agora nesse espaço. 

Agora, circulo também nas lembranças. Dizia o professor Edgar De Decca que era o “cone da memória que nos aspirava até elas”. Que seja. Penso na montagem de As bruxas de Salém, que Marchioro fez em 1990-1991. Vi três vezes a peça, fiquei perseverante na coisa, garrei gosto mesmo, quase três horas pelas quais não se passava impunemente... 

Enfim, coisas que formam o caráter de uma criatura.



“Cartier” deve ser o seu relógio, prof. Pondé...




Talvez o senhor quisesse dizer quartier. Se não, mil perdões, longe de mim querer corrigir pessoa toda trabalhada no Lattes e na Folha de S. Paulo, filósofo-escritor-ensaísta-doutor-pela-usp-pós-doutorado-em-epistemologia-pela-universidade-de-tel-aviv-professor-da-puc-sp-e-da-faap – justo eu, alma pé-de-chinelo a arrastar pelo mundo a falta de estrelas curriculares...

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Ótimo início de semana!






domingo, 28 de setembro de 2014

Eleições “frias” e análises insossas


A matéria expõe as análises dos coordenadores de campanhas de alguns candidatos. Um dos pontos ressaltados foi a existência das grandes coligações – grandes somente no espectro de partidos que inclui, bem entendido, e nos espaços que abocacham com isso. Partidos menores, mas com militância relevante, ficam de escanteio, pois eventos como simples bandeiraços na rua foram proibidos pela justiça eleitoral. O coordenador da campanha do PSOL conclui que se privilegia a TV para exposição de ideias. Já o coordenador da campanha do atual governador, que será reeleito no primeiro turno, manda dizer que só “critica” quem não conseguiu construir coligações – porque no sul maravilha, ter análises diversas das oficiais é sinônimo de “criticar”; e criticar é praticamente militar na Al Qaeda. Além do que, dá a impressão de que coligação é o objetivo final de uma campanha (programa político é coisa de guerrilheiro-assaltante-de-banco-simpatizante-de-cuba).  

A análise de cientista político aponta, em linhas gerais:
O professor Jean Castro, cientista político da UFSC, aponta alguns dos possíveis motivos para a indiferença da população com relação às eleições, entre eles a consolidação da democracia representativa e profissionalização da política, além da caminhada rumo ao centro do espectro ideológico.
Admitamos, professor. Admitamos que tais fatores também apareçam no cenário. Mas quando vemos que a TV é o espaço privilegiado da política (não escolhido pelos eleitores, mas determinado pela legislação e arranjos eleitorais), isso me faz lembrar a Lei Falcão (1976), aquele desfile medonho de fotos de candidatos, com uma retreta berrando ao fundo e a leitura off de dados pessoais. 



As linhas gerais da propaganda eleitoral continuam essas, só que hoje, entremeadas por textos de marqueteiros competindo para ver quem vincula mais “neutralidade”, mais “publicidade de margarina”. Se entre o fim dos anos 80 e início dos 90 ainda rolava certo orgulho de carreiras políticas feitas na oposição à ditadura, no século XXI, o horário político é espaço privilegiado para se mostrar contra nada, a favor de tudo e mais um pouco, desde que não sugira qualquer grão de poeira progressista. Desde que não se ultrapassem espaços restritos, ideias específicas, manifestações conhecidas.

Além disso, voltando à análise do professor-cientista-político, também não vi referência a um fato de deixar de cabelo em pé: um século das mesmas famílias à frente da política nestas paragens. E não é figura de linguagem. No início do ano, revisei uma dissertação sobre a história política local, com uma sensação de atualidade absoluta. Entre outros temas, a dissertação falava dos primeiros anos republicanos em terras catarinenses e do movimento de 1930. Sequer os sobrenomes dos líderes capos mudaram em 100 anos!

Quédizê, tudo o que se forjou na primeira metade do século XX acabou por cimentar as vias políticas locais. E, desconfio, cimentou pra sempre as escolhas de parte da população. Por enquanto, de boa parte dela. E ainda tem quem se admire pela “frieza”? Não é mero reflexo de cansaços. É bem construída a cada aliança da vez, a cada impedimento de manifestações. Talvez a reflexão do cientista político seguisse adiante, mas o que se publica é análise-placebo, ligeira, generalista, sem pôr o dedo nas especificidades complicadas.



sábado, 20 de setembro de 2014

Da capacidade de ler e ouvir

Adoro um filme chamado L'Etoile du Nord (O Estrela do Norte, 1982), o último de Simone Signoret, no qual também está Philippe Noiret. Os dois fizeram cenas notáveis, que ultrapassam todo o enredo do thriller de Georges Simenon. São fantásticos os momentos em que Noiret conta histórias a Signoret. A maneira de contar é genial e, mais que tudo: a maneira como a ouvinte permanece atenta. 

Volta e meia me lembro do filme quando assisto/ouço/leio que hoje faltam bons contadores de histórias. Na minha opinião, bem pé-de-chinelo, acho que faltam bons ouvintes. E digo bons, pois acredito que não seja tão simples como “tenho orelhas, logo ouço”. Não. Ouvir pressupõe deixar que a história alheia tome conta da nossa atenção, da nossa imaginação, que realmente ocupe um espaço. Vai muito além do “distraia-me!”.

Atualmente, com a obsessão pelo protagonismo, parece que ouvir/assistir/ler o que o outro tem a dizer vai roubar a minha luz, o meu lugar em cena. Há tamanho medo de ficar pra sempre esquecido nas coxias ou no escuro, que suspender os próprios solilóquios e simplesmente deixar que a história alheia capte a atenção parece ser um sofrimento. E muitas vezes, não se trata apenas de não ouvir, mas de não deixar que a audiência se interesse por outras histórias que não as minhas. É preciso fazer muito barulho, sempre. Ou ainda, em caso de inevitabilidade, o recurso é me encaixar na história alheia que tanto agrada aos outros. 

Existe também a certeza de que a minha experiência ultrapassa todas as outras, e que se você não experimentou a mesma coisa, então, apenas admire a minha perícia e a minha sensibilidade. Sua história nunca será tão boa quanto a minha; ao menos, não há espaço pra ela, pois a minha história ocupa todos os espaços da minha própria atenção. No máximo, deixo a você meu silêncio entendiado. 

Quem não sabe ouvir toma seus referenciais como fiel universal da balança, e derrama condescendência ao seu redor. Quem não sabe ouvir acredita que a própria atenção seja um prêmio que destina aos outros, e que qualquer atenção é melhor que nada. Não é! Nada pior que a atenção doada como se fosse favor. Desatenção e necessidade “de protagonizar”, o tempo todo, são complementares. 

Isso leva aos maus leitores. Que são os que não conseguem mergulhar nas várias camadas de um texto. Optam por passar pela superfície, de leve, como quem bota um dedo na água apenas. Só pra testar. E atravessam o aguaceiro dos livros pulando entre as referências seguras, entre os temas já conhecidos. Só leio o que eu quero da sua história. E, claro, reclamo de não ter encontrado ali as minhas próprias referências. Pois no fim das contas, a ideia parece ser essa: se o que eu não conheço estiver num texto, é sinal de que não é bom. Se não houver os mesmos referenciais que os meus, e expressos de maneira surpreendente, eu desisto.

Desanimador.





sexta-feira, 12 de setembro de 2014

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Retratos da covardia nacional



De generais a cabos, passando por tenentes, delegados, dedos-duros e outros servidores serviçais do regime, a tendência não muda: o que orienta o desfile é a covardia – nos tais “bons tempos”, isso era política de Estado. Mais covarde fosse, mais chances de cavar o seu lugar, subir na hierarquia, conseguir “bocas” para amigos, família e o escambau. Agir em bando dava fumos de coragem a comandantes de subsolo – ganha-pão de descerebrados cujas capacidades foram espancar, violentar, matar, destruir. Pau-de-arara como ferramenta de trabalho, impunidade e anonimato como diretrizes sindicais.

Agora, a covardia ganha tons de bravata. Não falam, não querem vir a público. E aí se constata que coragem é uma questão de lugar também. Por exemplo (um entre milhares): avançar em 5 ou 6 sobre corajosas mulheres muito jovens, mas já fracas e quebradas moralmente, uma por vez, submetê-las a uma panóplia de sevícias saída da podridão humana, aparecia como o ápice da valentia, não é mesmo? 

Aliás, ainda aparece, pois para cada covarde criminoso desses há uma claque de bundinhas-no-sofá, leitinho-com-bolacha, a soltar gritinhos, numa vibe fã em histeria. A baixa capacidade para interpretação de textos e as referências precárias de tudo só deixam alcançar textos de Reinaldo Azevedo – por conta desses leitores é que ele utiliza aquelas fontes em cores gritantes, variadas, beirando o infantilismo malcriado (não posso crer que ele lance mão do recurso por gosto). Ou o grotesco Constantino, matraqueando que era Miriam Leitão quem devia um pedido de desculpas por ter sido torturada – ela acabara de falar publicamente sobre sua prisão em 1972, aos 19 anos. 

Atenção, pais, mães e responsáveis: a sua educação relapsa pode criar bostinhas como este sujeito, supra sumo da desinteligência arrogante que tem se espalhado pelas faculs da vida. Tipo de criatura tão sem referências que – outro exemplo – ignora que o Tea Party seja organizado e constituído por rednecks de raiz, caipiras com adesivos de jesus-olhos-azuis em seus carrões e aneis de virgindade. Imaginam algo cosmopolita e bem talhado. Bom, o desconhecimento pode ser culpa da baixíssima proficiência dos bundinhas-no-sofá em idioma estrangeiro, né? Mas como repete meu sobrinho, não vou nem zuar, vai que é doença?

E há ainda a turma do discurso dedo-em-riste, toda trabalhada na educação-moral-e-cívica – mas que se dobra a qualquer falcatrua que permita arrumar emprego para filho vadio ou filha incompetente, de preferência em órgão público. Depois, passa os dias no clamor sem fim contra os corruptos do país. Com a universalização da Internet, esses seres obscenos de uma dimensão precária exultam com Estado de exceção, exigem a volta do Urutu nas ruas, da palmatória e do Esquadrão Le Cocq. Aos domingos, vão à igreja, para que deus constate sua humildade, tolerância e amor ao próximo.

Será a tacanhice desses tipos tão absoluta, a ponto de não perceberem que se tudo o que eles mais desejam vier a se concretizar, serão eles os primeiros a terem que calar a boca? Ou realmente acham que fardão é tudo chapa, e que vai rolar cafezinho no quartel, amigo secreto e curtida no Face? Quem vai contar pra eles, moçada?




quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Florianópolis: parque no escuro, como a administração municipal




Parque no escuro, administração municipal idem. Coisa que parece grassar bem em terras catarinenses é empresa responsável pela estrutura, empresa responsável pela revitalização, empresa responsável pela duplicação, e a lista de responsabilidades não tem fim. Não significa que obras de infraestrutura sejam realmente terminadas (ou mesmo inciadas). Apenas que há empresas responsáveis. São pagas para se responsabilizar por. Só. Talvez contratos não sejam claros sobre o que significa isso, né mesmo? E nós aqui, maldando... O prefeito de Florianópolis? Muito provavelmente, arregaçando as mangas para reeleger o governador, oras – que, como ele, já passou por PFL, DEM e atualmente assenta bolsos e ego no PSD.

Campanha do atual governador Colombo pela reeleição, recortada do site do próprio. 
Não é um erro de grafia, tá? Aparentemente, “a importância toda está nos municípios”, “é preciso ouvir prefeitos” e blablablá... Sacada genial de marqueteiro de campanha, né? 





♫ Samba do avião ♪ – atualizado


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Chinelo velho para pé manco – Dos provérbios portugueses

Caí por azar num site com provérbios portugueses. Alguns são lindinhos que só, como Deus me dê paciência e um paninho para a embrulhar. Outros, acho que descobri tarde, pois valiam uma epígrafe nos meus scriptos acadêmicos: Medicos de Valença, grandes fraldas, pouca sciencia; ou Mijar claro, dar huma figa ao medico. Todos excelentes, alguns com a grafia “de antanho”: 

Nam [não] sejais forneira, se tendes a cabeça de manteiga;
A cruz nos peitos e o diabo nos feitos; 
Nam há panella tam fea que nam ache seu cobertouro; 
Quem casa com molher rica e fea, tem ruim cama e boa mesa; 
Antes caia do cu do que do alforge;
A quem tem molher fermosa, castello em fronteira, vinha na carreira, nam lhe falta cançeira;
May [mãe], que cousa é casar? Filha, fiar, parir e chorar;
Cu de cão e nariz de gente, nunca está quente;
Ao diabo e à mulher nunca falta que fazer;
Mulher que assobia, ou capa porcos ou atraiçoa o marido;
Nunca falta um chinelo velho para um pé manco;

Mas ainda não captei o sentido de alguns:

Pau deitado não chama trovoada;
P'ra trás, mija a burra;
P'lo S. João, perdigoto na mão.

Se alguém tiver uma pista, por favor, divida aqui no desgoverno, sim?