quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Sakamoto: “Deputados têm medo de participação social”

Você empresta a sua caneta para outra pessoa sob a condição de que ela seja usada em seu nome. Mas, em determinado momento, a pede de volta porque descobre que pode escrever você mesmo pelo menos parte de sua própria história. Nessa hora, a pessoa fica indignada, irritada, raivosa. Não devolve e, pior: diz que a caneta agora é dela.
Em resumo, é isso o que a Câmara dos Deputados fez, nesta terça (28), ao sustar os efeitos do decreto presidencial que cria a Política Nacional de Participação Social – que tem por objetivo desenvolver mecanismos para acompanhar, monitorar, avaliar e articular políticas públicas. E fez com o sangue nos olhos do presidente da casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB), que culpa o PT pela derrota que sofreu para o governo do Rio Grande do Norte.
Dessa forma, os nobres parlamentares passam por cima do artigo 1o, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente''.
Desde que o decreto foi criado, apareceu uma miríade de declarações de deputados e senadores, dando voltas e voltas para construir justificativas estranhas, dizendo que garantir instrumentos de participação social é assassinar a nossa democracia (he), transformar o Brasil em uma ditadura bolivarianista venezuelana (hehehe) e instalar o regime cubano por aqui (kkkkkkkk).
Minha crítica ao decreto é exatamente o oposto: ele é tímido demais. Na prática, regulamenta os conselhos e comissões que não possuem regulamentação e abre a possibilidade (não obriga) a criação de outros. E vem tarde: afinal tudo o que ele organiza já está previsto na Constituição Federal (aquele documento de 1988 que ninguém gosta de levar muito a sério) e não avança tanto quanto seria necessário, nem responde a demandas das manifestações de junho do ano passado. É, portanto, um primeiro passo.
O decreto 8243/2014 não troca a democracia representativa pela direta em nosso país. Até porque não somos uma sociedade suficientemente desenvolvida, com acesso pleno à informação e consciência de seus direitos e deveres para aposentar nossos representantes. Isso é um sonho ainda distante.
Este decreto não cria instâncias, órgãos e cargos automaticamente, não diminui atribuições do Congresso Nacional ou interfere em outro poderes e não centraliza o controle da sociedade civil em ONGs que querem fazer a revolução.
O mais engraçado é que boa parte dos parlamentares age como comentarista de internet: não entendeu bulunfas de um texto e repete frases feitas contra ou a favor do decreto. O que mostra, novamente, que o Congresso é espelho da sociedade brasileira.
Peço licença para retomar o que já havia escrito na época. Levando a sério alguns discursos que estão circulando nos plenários da Câmara e na imprensa (meu Deus, como tem jornalista que não se digna a ler o papel antes de falar groselha…), não poderíamos ter orçamento participativo, conselhos ligados à defesa dos direitos humanos (responsáveis por monitorar políticas como a de combate ao trabalho infantil), muito menos conselhos ligados à educação e saúde – bandeiras importantes de parlamentares marinistas, aecistas, dilmistas, lucianistas e eduardojorgistas, entre outros, durante a redemocratização.
Conselhos são um espaço em que governo e a sociedade discutem políticas públicas e sua implantação, e estão presentes desde o âmbito local – na escola, no posto de saúde – até o federal, onde reúnem representantes de entidades empresariais, organizações da sociedade e governo. Alguns são obrigatórios, exigidos por leis federais, mas cada município e estado pode criar os que julgar necessários.
Quem escolhe? Há diversas formas. O ideal é que seja por eleição, como ocorreu em São Paulo recentemente com as subprefeituras e áreas temáticas.
É óbvio que, para essas arenas de participação popular serem efetivas, precisam deter algum poder e não serem apenas locais de discussão e aconselhamento. E isso gera conflito entre novas instâncias de representação e as convencionais.
Afinal, senadores, deputados, vereadores, membros das esferas federal estadual e municipal e quem sistematicamente ganha com a proximidade a eles, enfim, o grupo de poder estabelecido, tende a não gostar da ideia de ver outros atores ganharem influência, outros que não fazem parte do joguinho. Há gente que teme, com o monitoramento por parte do povo, ficar sem o instrumento clientelista de poder asfaltar uma determinada rua e não outra, empregar conhecidos e correligionários.
Durante décadas, brigamos para a implantação de instâncias de participação popular. E, agora, que elas começam a ser discutidos em determinados espaços, ainda que de forma tímida e por conta de intensa pressão social, as propostas correm o risco de serem congeladas se o Senado confirmar a decisão da Câmara.
E olha que nem estamos discutindo o vespeiro real. Pois, mesmo que tudo isso aproxime as pessoas da gestão de suas comunidades, os conselhos ainda são espaços de representatividade e não de participação direta.
Com o desenvolvimento de plataformas de construção e reconstrução da realidade na internet, as possibilidades de interação popular deram um salto.
Se tomarmos, por exemplo, as experiências de “democracia líquida'' envolvendo os Partidos Piratas na Europa – com seus sistemas que utilizam representantes eleitos pelo voto direto, mas também ferramentas possibilitando ao eleitor desse representante  ajudá-lo a construir propostas e posicionamentos de votação a partir do sofá de sua sala – percebemos que há um longo caminho a percorrer. Podemos chegar a um momento em que a representação política convencional se esvazie de sentido. Não é agora, nem com esse decreto. Mas, quem sabe, com um sociedade mais consciente.
Como já disse neste espaço, muitos desses jovens que foram às ruas em junho do ano passado, reivindicando participar ativamente da política não estavam pedindo a mudança do sistema proporcional para o distrital puro ou misto, como o governo federal e o parlamento pensam. Queriam mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Mas não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós. Porque, naquela época, ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos outra camada de relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos. Pois, quando a pessoa está atuando através da internet, não reporta simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive.
Ou seja, plebiscitos, referendos, projetos de iniciativas populares, conselhos com representantes por tema ou distrito são os primeiros passos, não os últimos. Com a próxima geração, a política será radicalmente transformada pela mudança tecnológica. Participar do rumo das coisas a cada quatro anos não será mais suficiente. Pois, em verdade, nunca foi. Iremos participar em tempo real.
Por fim, aos líderes políticos, econômicos e sociais que acham que todo poder emana deles próprios, um lembrete: talvez não seja hoje, mas a gente vai querer as nossas canetas de volta.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O que você está aplaudindo?

Não interessa se você diz que é só brincadeira. E não é verdade que se trata apenas de “liberdade de expressão” – é liberdade de “expressão criminosa”. Isso, levando-se o teor da lei às últimas consequências, é incitação ao crime. Com penas previstas.

Mas sei que nada disso é levado a sério por quem nutre simpatias pelo racismo, pela misoginia, pela violência de Estado, pelo golpe. Nada disso é levado a sério por quem se sente superior a outros por questões econômicas ou heranças biológicas. Qualquer recusa de aceitação a esse comportamento é vista como motivo de riso, de condescendência – pois o pensamento retrógrado é arrogante e sua fantasia é exterminar tudo o que possa ser diferente e contrário a seus referenciais. 

No mínimo, retrógrados têm a certeza de que opiniões contrárias às suas, “desviantes” daquilo que se convenceram que seja a verdade, só existem para sua diversão, seu desprezo, seus circenses cotidianos. Os descontentes, que sejam tirados do caminho: por exílio, separatismo ou extermínio. 

Exagero? Com uma boa dose de Engov, basta ouvir ou ler, por alguns minutos, o que têm a exprimir retrógrados e retrógradas que se sentem pessoalmente atingidos quando o contexto histórico não corresponde às suas pequeninas vontades cotidianas. Deste ponto até a convocação das ideias mais baixas em termos de convívio social é um passo. Bem pequeno. Como se enxergam como perfeitos, e como geralmente lhes falta conhecimento, não percebem (e não querem perceber) a que se associam, a que ideias se filiam, historicamente falando.

Assim, retrógrados e retrógradas, o que vocês dizem não é o que deve ser dito mas ninguém tem coragem de fazê-lo. Até por que, trata-se da mais pura covardia anônima, que vem em bando. Nada tem de coragem. Pavimenta o que há de mais baixo no mundo, mais obscurantista e sórdido. Vocês não são portadores de uma opinião política que deve ter lugar numa democracia. Vocês cultivam ódio, estupidez e violência. A opção pelo não raciocínio. Pelo rastejar. Quase um século atrás, vocês estariam aplaudindo isto:

   

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Hoje vou assim: #xatiada


Look do dia pra quem é phyna e vai se exilar em Miami. 
Invistam na Linha Exílio da Louis Vuitton, lindas e lindos! #ficadica




 

TCHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUUUUUU!

Em tempo: Que país é esse que não nos dá liberdade de meter a mão na cara da presidente da República? Ditadura stalinista! Né?


Fica, Lobão. Pôxa. Vai ter bolo...


Me chama (1984)
SQN



ATUALIZAÇÃO: parece que rolou um Dia do Fico


Tensão na seção eleitoral

E Dilma se reelegeu! Ótimo! Acho que por uma semana, frases de efeito do tipo “luto nacional”, gente de bico querendo impugnar as eleições via Facebook, comparações com Cuba e Venezuela e bobajadas na linha vão aparecer e ainda alimentar birras de quem acha que trabalha pra sustentar recebedores do Bolsa Família.


Por outro lado, acho que também vai repetir papo soninho e meio fora da real quem falar que um PT de raiz ganhou as eleições, sem qualquer aliança dos infernos com capetas do tipo Calheiros, Barbalho, Sarney etc. e etc. Menos, moçada, menos!

Mas, de verdade, já rolou uma alegria por duas coisas: lixo jogado na frente da Veja (que os defensores da democracia-cheirosa-e-phyna “denunciam” como empastelamento, repressão ao livre pensar e blablablá); e o discurso de Dilma, entre outras coisas, marcando posição pela reforma política. Trator na ola!

Momento de embate mesmo, só vivi hoje à tarde, na seção eleitoral. Para lá me dirigi, com minha camiseta estampando Mr. Spock. O mesário vestia uma, da mesma cor, estampando Darth Vader. Olhares se cruzaram, tudo foi compreendido, mas nada foi dito. Naquele lapso de segundos, duas concepções de mundo se defrontaram. Na maior elegância, é lógico


Em tempo – das melhores que eu li no Twitter dias desses: 


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Histéricos historiadores - Marco Antonio Villa

E tem gente da mesma categoria profissional que este Trator beirando o delírio. Será a falta d'água afetando sinapses?

Pra quem tiver paciência, a “argumentação” continua – e só piora |aqui|.

Eu concordo em gênero, número, grau e sabor quanto ao problema do apoio a Sarney, Barbalho, Calheiros (e incluiria Collor e tantos mais). Mas daí a falar de autoritarismo, Stálin, projeto criminoso, socialização dos meios de produção, sendo professor de história... é no mínimo, problemático. Pra não dizer incompetência, pois está faltando um domínio de conceitos básicos da história política, né? Há outra explicação, mais simples ainda: se chama má-fé... 

Seja como for, não consigo parar de pensar no “Aderbal Jurema”:




segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sakamoto prêt-à-porter

“ Primeiro, para deixar claro que já li e ouvi tudo isso aí um milhão de vezes. Menos a do “aparelho excretor'', mas achei que valia pela lembrança (#LevySaudadesSQN) Então, talvez usando-a na rua as pessoas pensem: “Pô, não vou falar isso para ele porque já tá na camiseta dele''.
Mas ela também é um alerta: que você, amado e amada, ao soltar essas frases feitas, não está abafando. Pelo contrário, provoca vergonha alheia em quem pensa diferente de você ou igual a você. Ou seja, em quem pensa.
Não só porque elas são bizarras e carregadas do mais puro preconceito. Mas também porque são usadas nas redes sociais por quem não quer ou não consegue argumentar por conta própria e se protege atrás dessas bobagens. Usá-las mostra que você não consegue articular um diálogo por conta própria. O que é triste.
Numa era em que a busca pela garantia da identidade individual é tão importante, pessoas que as usam se dissolvem. Tornam-se nada.
Ser intelectualmente desconstruído por alguém que tem conteúdo é doloroso, mas edificante. Agora, ser “atacado'' com frases assim mostra que você não tem nada de interessante a acrescentar. Apenas repete. E repete. E repete. Como deve ter feito a vida inteira.
É isso o que você realmente quer para você?

 ✄

Piadas de caserna, com ACM Neto







domingo, 19 de outubro de 2014

Argumentação intelectual de certo eleitorado de Aécio

Porque saber do que se fala é tudo, né, moçada?

O VIDEO FOI TIRADO DO AR PELO GRUPO FOLHA
(questão de “direitos autorais”. Claro)


Tô na dúvida sobre quem deveria receber o caneco: se a menina que argumenta que “crente tem ódio no coração porque é impossível não odiar o PT” ou se a senhora que explica que o bolsa-família foi criado durante a ditadura militar por Ruth Cardoso. Se bem que o rapaz que frisa o fato de o Brasil ter sido “colonizado por brancos” leva menção (des)honrosa, né? 

Resumindo a mensagem do vídeo: conhecer noções básicas de história, política, sociologia e língua portuguesa é coisa de comunista/terrorista/ateu/negro e, desconfio, gay. Tá?! Então tá...





quinta-feira, 16 de outubro de 2014

The Economist quer Aécio, moçada!



Depois dessa sensacional reverência para a revista The Economist, dessa prova de independência e imparcialidade, tô aqui já roendo as unhas, zanzando de um lado para o outro, alucinando pra ir votar em Aécio Never porque um jornalista britânico said so... Além de me sentir superbem representada por este arremedo de Carmen Miranda com ares de desolação. 

Obrigada, Folha de S. Paulo! De repente me dei conta do que é importante, afinal, um sujeito todo trabalhado na City exprimiu sua opinião. Pessoas, ele é inglês!!!!!!!!!! Da Economist! Citado na BBC Brasil! E disse que Aécio merece ganhar! O que estamos esperando, povo?! 

Bem, talvez, um artigo internacional mais decente, que não venha de um periódico que desde a década de 1990 é descrito como portador de “servilismo colonial”, com pseudoanálises econômicas, muito escárnio e afetação. Ah, sim, essas são palavras de James Fallows, correspondente do The Atlantic, com colunas no Washington Post, New Yorker, The New York Times, mais de dez livros publicados sobre economia e geopolítica mundial, integrante das equipes dos ex-presidentes Jimmy Carter e Bill Clinton, além de ter passado pela Microsoft. Que quero eu dizer com todo esse Lattes desenrolado aqui? Que o sujeito não é nenhum guerrilheiro-bolivariano-trabalhado-em-Cuba-na-camiseta-do-Che-e-no-lenço-palestino, beleza? Ele sabe do que fala. By the way, Consorte acaba de me enviar essa:

Fidel Castro e Aécio Neves (Foto: Arquivo pessoal)
Fidel Castro e Aécio Neves. Em Cuba.
A matéria sobre a foto aqui.

Mas seja como for, quem é este Trator para pôr em questão artigos como este da Folha, certo? Que, longe dela, deuzulivre, tentar jogar poeirinhas subliminares num cestão online, com ares de brocados e de seriedade jornalística, não é mesmo? E sutil como ataque aéreo de precisão cirúrgica siderúrgica durante a Operação Tempestade no Deserto...

Ora, repito, quem é este Trator diante de indignados e sofisticadíssimos leitores que têm adorado arrancar os cabelos e rasgar as vestes, bradando contra o “mar de lama” que cobre este país? – falando nisso, Carlos Lacerda ligou do purgatório, pedindo o golpismo de volta, tá? Momento Recordar é Viver, com patrocínio da maria-mole-rosa e da brilhantina Glostora: “Não gosto de política, eu gosto é do poder”, explicou o ex-governador e jornalista Lacerda uma vez. Associações livres que me passam pela cabeça...

Enquanto isso, piadas de caserna:


Ah, é bem verdade. Não param de me ligar de Paris (que tem uma prefeita socialista), muito preocupados e... Nãããããããã... mentira. Só me ligam e escrevem de lá pra dizer que estão com saudades e saber quando voltarei. E de Oxford também – Lovelet me disse que o quarto de hóspedes está a espera! Mas enquanto não volto, fico lendo as opiniões de ignorados-leitores-carentes que sabem sobre tudo o que se passa no mundo, com uma erudição e um conhecimento que deixam assaz & deveras, né não?


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Artistas com medo de Dilma: entenda por quê

 



Mas o que é isso, moçada? Sério: quer votar em Aécio, a escolha é sua, e a nossa democracia, com todos os seus defeitos, taí pra garantir isso. Mas daí a delirar sobre “atmosfera stanilista”, “pessoas que não se abraçam na rua” e “votos em Satanás” vai uma grande distância, né? Na boa, chega a ficar ridículo, você passa por démodé e iletrado – pois tentar argumentar com  informações que desconhece ou sobre as quais se informa na revista Veja é garantir momentos de vergonha alheia (no caso, a sua).  

Não dá pra entender essas atitudes em termos racionais. Só queria saber o que exatamente foi esse encont... Ah! Espera!


Claaaaro! Agora está explicado!



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sakamoto: “O Congresso não ficou pior”



Foi interessante ver as reações do day after eleitoral. Vi colegas passando por uma genuína depressão profunda ao constatarem a eleição de um Congresso com perfil mais conservador que a atual legislatura.

Alguns culparam as Jornadas de Junho, FHC, Lula, o Papa Francisco, a falta de água crônica em São Paulo, o alinhamento dos planetas, o Pikachu e o Manoel Carlos pelo ocorrido.

Os mais desesperados, que procuravam uma razão, esqueceram, contudo, de algo bem simples: o Brasil é conservador. Nada mais racional, portanto, que o Congresso Nacional traduza essa condição.

Mas, então, por que só agora isso? Bem, alguns chutes educados:

1) Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil de caráter mais progressista sempre empurraram o Congresso Nacional para que ele fosse menos conservador do que a população do país.

Em outras palavras, a força da mobilização e da organização desses grupos na política nacional conseguia fazer com que esse descompasso acontecesse.

Boa parte desse pessoal, contudo, conta ou contava com relações com o Partidos dos Trabalhadores e, na minha opinião, enfraqueceram ao fazer parte de sua base de apoio por várias razões – do “menos pior'' ao “cargo amigo''.

Além disso, houve um afastamento dos militantes tradicionais desses movimentos sociais ou mesmo de partidos políticos com o distanciamento do governo federal com pautas tradicionais da esquerda.

A militante lá no Largo do Campo Limpo que fazia campanha nas eleições de 2002 era uma moradora do bairro, participante de um movimento por moradia. No último domingo, foi substituída por ujma pessoa contratada pelo partido no poder para distribuir santinho.

2) Há um intenso desgaste com a atuação média de representantes sindicais que estavam no Parlamento, independentemente de partido. Não é que o motor capital-trabalho tenha deixado de empurrar a História, muito pelo contrário. Mas parte das pessoas que clamam para si a autoridade de falar pelos trabalhadores há muito só falam por interesses corporativistas (na melhor das hipóteses) ou por si mesmas, na maioria das vezes. Muitos deles nem participaram de ações importantes, como a aprovação da PEC do Trabalho Escravo ou a campanha contra a ampliação da terceirização legal. Enfim, quem disse que sindicalista é obrigatoriamente progressista precisa de um chazinho calmante.

3) As narrativas da violência urbana, que já existiam, circularam com mais força graças não apenas às redes sociais, mas também a determinadas pessoas que se dizem jornalistas mas, na verdade, espalham o ódio e o terror na TV (lembrando, é claro, que a mídia pode funcionar como partido político). A situação da segurança pública é ruim mas, acredite: não raro, a espiral do vale-tudo pela audiência do jornalismo faz ela parecer o rascunho do mapa do inferno.

Há soluções mais efetivas do que a redução da maioridade penal (usada para atacar a “causa'' do problema quando, na verdade, nem resvala na “consequência''). Contudo, mandar a criançada para o xilindró é um discurso facilmente deglutível – tanto que pesquisas mostram 93% da população a favor dele. Usar e abusar desse discurso, bem como o da repressão policial, ajudou a elevar o número de pessoas eleitas que surfaram no medo da população, aumentando a Bancada da Bala.

4) O número de parlamentares evangélicos cresceu porque tinha que crescer mesmo. Havia uma subrepresentação desses grupos, organizados em uma série de igrejas com pontos de vista diferentes. Eles não formam um movimento coeso como a Frente Parlamentar da Agropecuária (que cresceu junto com a força econômica do agronegócio no país). Pelo contrário: há gente que se detesta de ódio mortal entre eles. E, ao contrário do que pregam críticos inconsequentes, nem todos são reacionários.

5) Por fim, há uma desmotivação muito grande com a democracia representativa tradicional. Se consideramos brancos, nulos e a abstenção, o “Ninguém'' ficou em segundo colocado no primeiro turno da eleição presidencial.

Isso vale tanto para jovens que estão cheios de gás para “mudar o mundo'' quanto para militantes, ativistas e figuras proeminentes da esquerda brasileira. Pessoas que, em outras épocas, aceitariam candidatar-se ao Parlamento para serem puxadoras de votos. Hoje, muitas querem distância. Tem medo de pegar tétano se chegarem muito perto.

A democracia, vale lembrar, não é um regime em que a vontade da maioria passa feito um rolo compressor, mas em que essa vontade é efetivada desde que respeite a dignidade das minorias. E, a trancos e barrancos, fomos conseguindo avançar em muitas pautas, apesar de tantos retrocessos.

Mas esse descompasso entre o “Brasil real'' e o “Brasil no parlamento'' parece ter se reduzido nesta eleição por conta desses elementos que elenquei e de uma série de outros que ainda teremos que analisar.

Há boas pessoas que fazem um bom trabalho, independente do partido, sejam elas conservadoras ou progressistas. Pessoas que estão no parlamento e honram a função que exercem e outras disputando pela primeira vez, cheias de ideias. Algumas foram eleitas e reeleitas, outras ficaram de fora. Faz parte do jogo.

Meu receio é que a maioria queira agir como maioria idiota, passando por cima das (poucas) conquistas obtidas a duras pequenas para preservar as minorias. Para isso, será mais do que nunca a participação da população e de organizações e movimentos sociais. Ou seja, talvez um efeito colateral de tudo isso seja, por necessidade, fortalecer a atuação sociedade civil.

Como já disse aqui, de certa forma, o Congresso é o reflexo da população no que diz respeito à visão de mundo e ação diante desse mundo. Talvez não daquilo que ela gostaria de ser, mas daquilo que ela efetivamente é.

Enfim, com o resultado dessas eleições, não é que o Congresso ficou pior. Ele apenas está mais parecido com o Brasil.


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

sábado, 4 de outubro de 2014

Hugo Carvana (1937-2014)





Lela Diniz e Hugo Carvana
Amor, carnaval e sonhos
(dir.: Paulo Cezar Saraceni, 1972)




quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Análises clínicas: “debate” entre candidatos ao governo SC

Consistência de mingau de maisena.
Essência de chuchu cozido.
Audácia de um jogral escolar.
Conceito-chave, requentando em todos os blocos do debate da apresentação: gargalo. 

A cara de pau deu o tom, discurso de marqueteiro substituiu debate político, fala-se de promessa em vez de programa. Há que se construir prisões, saudar a família e preservar festas típicas. Anos 70 telefonaram, pedindo a educação moral e cívica de volta! 


Vou votar no candidato cujo programa de partido me parece o melhor atualmente (PSOL); mesmo que a clareza dele na comunicação, como ontem à noite, seja terrível. Sensação de ênfase em palavras supérfluas. A pessoa mais articulada – em minha opinião, obviamente – foi a candidata do PPL, mesmo que eu não garre gosto na sua linha política. E nem em ombreiras romulanas.