terça-feira, 17 de novembro de 2015

Mídia, tragédias, comoções seletivas





Nos últimos dias, diversas tragédias assolaram o mundo. Aqueles que, como nós, não vivenciaram os acontecimentos diretamente, tomaram conhecimento deles a partir do recorte e da construção midiática dos fatos: dos atentados em Paris, passando pelo crime ambiental em Minas Gerais e a chacina em Fortaleza.

A história se repete: um desastre em algum lugar do mundo gera manifestações de solidariedade, hashtags e avatares nas redes sociais. De imediato, um grupo reage lembrando outros casos de atentados, mortos e desabrigados em lugares em guerra, famílias vivendo em situações insalubres. 

Casos, às vezes, acontecidos em dias muito próximos. “Indignação seletiva!” – acusam de um lado. “Minha indignação não é seletiva!” – respondem de outro. “Somos todos (e todas) Paris, Síria, Mariana, Fortaleza”. Não, não somos. Somos diversos, com diversas experiências e bagagens afetivas e culturais, que influenciam na forma como reagimos a cada tragédia. Parte significativa dessa bagagem, do conhecimento que temos dos lugares, povos e tragédias vem de um lugar comum: os grandes meios de comunicação.

Não se trata, aqui, de pesar qual fato é mais doloroso ou digno de cobertura ou solidariedade. Todas as vidas ceifadas, assim como toda destruição e violência deve nos indignar e atravessar profundamente, inclusive aquelas que ganham, quando muito, um mínimo espaço nas páginas policiais. Mas para compreender como a seleção dos acontecimentos, a abordagem e a comoção gerada por eles são feitas, precisamos desnudar o modus operandi dos meios de comunicação. E perceber que não é difícil concluir que a violência já começa na invisibilidade imposta aos que não são considerados relevantes.

A decisão do que é e do que não é notícia, além de que notícia é mais importante que outra, é baseada em diversos critérios, sistematizados por diferentes autores, ensinados nas escolas de jornalismo e incorporados ao cotidiano das redações. Apenas para usar como exemplo o elenco mais conciso deles, dá-se mais relevância aos acontecimentos de acordo com: novidade, proximidade geográfica, proeminência e negativismo.

Ou seja, o que acontece hoje é uma notícia mais importante do que o que se passou anteontem; um jornal do Ceará colocará em destaque notícias da periferia de Fortaleza, não de Paris; porém, caso morra um camelô na feira da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, ou a apresentadora Angélica sofra um acidente, O Globo dará a manchete para ela; uma má notícia ganha mais destaque que um acontecimento positivo.

Esses critérios obviamente não são naturais. Foram pensados a partir do que toca mais o público, sim, mas também estão fortemente ligados a valores econômicos e culturais. A vida de um parisiense vale mais do que a de um sírio? Pessoalmente podemos achar que não – e defendemos que não. Para a imprensa brasileira tradicional, no entanto, a resposta é sim.

Ao nos apresentar o mundo que nem sempre conhecemos de perto – ou, mesmo quando o fazemos, estamos já atravessados por todas as informações e imagens que nos chegaram de forma midiatizada –, a mídia também colabora para que tenhamos mais familiaridade com certos povos e lugares. Cenários que já vimos tanto no cinema e na televisão.

Na geografia dos afetos, o Rio de Janeiro é muito mais próximo de Paris do que de Fortaleza. Além disso, o tipo de tragédia que assolou Fortaleza na última semana, com a chacina de doze pessoas – em especial jovens negros –, é a tragédia cotidiana nas periferias, morros e favelas. O critério da novidade aí também se esvazia.

E o que é uma tragédia passa a ser banal, sem merecer qualquer destaque. Até mesmo o lugar social dos envolvidos é usado para justificar ou não suas mortes. Ter ou não passagem pela polícia tornou-se, assim, uma das primeiras perguntas feitas e reportadas na apuração dos assassinatos. Afinal, a tão propagada narrativa policialesca tem fixado na sociedade que “bandido bom é bandido morto”. Foi assim em Cabula, em Salvador, e tem sido assim agora, no Ceará.

Mas a própria lógica da noticiabilidade é subvertida quando segui-la prejudica interesses políticos e econômicos dos veículos de comunicação. O caso do rompimento da barragem do Rio Doce, obra da Samarco, controlada pela Vale, em Mariana/MG, é emblemático. Novidade, proximidade, proeminência, negatividade. São dezenas de mortos e desabrigados, cidadãs e cidadãos sem água potável e um prejuízo humano e ambiental cujas consequências afetarão por anos uma extensão territorial significativa de nosso país.

O crime, no entanto, que tem responsáveis muito claros, vem sendo reportado como desastre ambiental. Tampouco se discute a fundo a questão das privatizações e da responsabilidade do poder público no acompanhamento das ações das mineradoras.

A própria presidenta da República só foi à região, sobrevoando a área de helicóptero, uma semana depois do rompimento da barragem. O fato de nossa autoridade política não ter dado a devida importância ao acontecimento em Minas sem dúvida contribui para o não-destaque nas pautas dos telejornais e veículos impressos. Mas chamar a atenção de autoridades e cobrar a responsabilização dos envolvidos também é papel da imprensa, por meio da definição do que ganha e do que não ganha as manchetes.

O que versões pouco críticas da teoria do jornalismo que ensina tradicionais valores-notícia como fundamentais para que um fato ganhe repercussão pública ignoram é o impacto dessa padronização. Ela faz com que agora, em todos os portais noticiosos da grande imprensa, uma narrativa (na qual estão incluídas motivações e supostas soluções para os conflitos) muito semelhante seja distribuída para grande parte da população. Isso nos impede de perceber também a perversidade dessa construção, que escamoteia os interesses que rondam – e muitas vezes determinam – aquilo que lemos, vemos ou escutamos por meio na mídia.

Por isso, em vez de apontarmos o dedo uns aos outros, principalmente nas redes sociais, acusando-nos mutuamente de indignação seletiva, cabe entender como é construída tal seleção no nosso próprio imaginário. Qual o papel da mídia nesse processo, mesmo entre quem busca coberturas e veículos alternativos ao mainstream.

Quais as consequências da grande concentração num setor que deveria ser regido pela pluralidade e pela diversidade de ideias, como preza qualquer boa democracia. E a quem serve a fragmentação da nossa indignação, que tem como pano de fundo, por mais clichê que seja a afirmação, um sistema mundial de opressões que pune e invisibiliza “minorias” sociais do Ocidente ao Oriente, nas grandes cidades, periferias, morros e favelas; no campo e nas reservas indígenas e ambientais; na esquina da nossa casa.

Mônica Mourão e Helena Martins são jornalistas e integrantes do Intervozes. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Constrangendo crianças nos anos 80


Crianças com talento garantindo a sobrevivência dos pais não é coisa de hoje – mesmo que os catastrofistas berrem que isso é coisa do nosso tempo, sem valores cristãos, todo trabalhado em feminazis-e-ditadura-gay (AHAHAHAHAH!). O que esse povo acha que Mozart fazia aos 4 anos eu não sei... Bom, no midiático século 20, de Shirley Temple a Michael Jackson, o fenômeno deitou raízes e produziu coisas fantásticas e outras nem tanto. 

Quando eu tinha 12 anos, o mundo inteiro se tomou de amores por uma garotinha lindinha que só, com olhões azuis e bochechas rosadas, chamada Nikka Costa. Seu pai, Don Costa, era produtor/arranjador de Frank Sinatra, e vai daí que uma coisa puxa outra e a menina se tornou onipresente em rádios e TVs do mundo por uns dois anos. Tive uma profe de inglês que usava as músicas de Nikka Costa como pretexto para tradução e cantorias fora do tom nas aulas. Ainda lembro, do começo ao fim, de I Believe in Love e On my On.

Outro tipo onipresente nessa época era o meloso Julio Iglesias, que assombrava minha geração por conta de tias, tios, profes, avós, avôs e o escambau familiar que cur-tia o ex-goleiro do Real Madrid convertido em chanteur de charme (afff!). Eu tinha (e tenho) uma aversão ao sujeito que vem nem sei de onde. Sei lá, sensação de que alguém soltou uma lesma nas suas costas, dentro da sua camiseta... Sentiram, né?

Pois dia desses, angariando preciosidades para minha coleção-lixão, topei com “Rúlio” (como dizia o Chacrinha) apresentando um número na TV francesa. A convidada, supresa!, era Nikka Costa, então com 9 aninhos. A cena é péssima: do colo do apresentador (eram outros tempos), a menina passa para uma cadeira de palha/vime infame, que deve ter saído do filme Emmanuelle. Ela então dubla a própria música, numa situação tão constrangedora que dá pena! Pobre Nikka!

E, mais uma vez, é como eu digo: impossível ter passado ilesa por uma infância com esse tipo de referências ...