sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

“O MPL irrita tanto a direita quanto os petistas”


Francisco Toledo, co-fundador e fotojornalista da Agência Democratize
É no mínimo interessante ver novamente pessoas como Reinaldo Azevedo, colunista clássico da direita brasileira, e Emir Sader — o pai dos defensores do PT — se unirem em um grito contra o Movimento Passe Livre. Isso mostra o quão importante é existir de fato uma nova via política que venha das ruas, e tenha uma cara completamente diferente daquela representada no bipartidarismo que se tornou o Brasil pós-ditadura.

Em junho de 2013 não foi diferente.

Quem não se lembra do jornalista Paulo Henrique Amorim chamando os manifestantes contra a tarifa de “mimados de classe média”? E quem não se lembra também, de ver o pseudo-intelectual Arnaldo Jabor falar asneiras em rede nacional, praticamente exigindo mais repressão contra o MPL, que seriam para ele “rebeldes sem causa”?

O jogo só virou quando a opinião pública também virou. Ai, profissionais sem a mínima opinião que são, também acabaram por mudar de lado.

E lá vem 2016, menos de três anos depois, tudo acontecer novamente. O primeiro ato do Movimento Passe Livre neste ano ocorreu em três capitais do Brasil, na sexta-feira (08). A cidade de São Paulo contou com o maior protesto — mais de 10 mil pessoas compareceram. E também contou com a maior repressão. Mais de 15 pessoas foram presas, vários feridos — apesar da mídia convencional e seu negacionismo.

Não passou nem dois dias do ato, e dois célebres personagens decidiram colocar a cara pra fora novamente — Emir Sader e Reinaldo Azevedo.

O colunista da revista VEJA, de uma forma um tanto irracional e — me perdoe a palavra — burra, usou sua capacidade intelectual para “descobrir” que o ato contra o aumento da tarifa em São Paulo na realidade é pelo “Fica Dilma”. Resta saber se foi uma colocação simplesmente baseada na sua inteligência, que é nula, ou na má intenção simplesmente.

Já o pai dos petistas no Twitter, Emir Sader, usou aquele velho jargão: MPL? “Aquela esquerda que a direita adora”. Claro, adora tanto que o governador Geraldo Alckmin deu sinal verde para uma série de agressões policiais contra manifestantes e imprensa.

E é bom que ambos pensem desta forma. A existência de um movimento como o MPL é o que mantém, de certa forma, a bipolaridade fora das ruas. PT e PSDB vivem uma guerra dentro de Brasília, no poder institucional, e fazem o máximo possível para levar essa guerra para a rua, com manifestações contra e pró o governo Dilma.

O ano de 2015 foi praticamente assim — até o momento em que os secundaristas, assim como o MPL, mostraram para que veio.

Enxergando como uma grande ameaça — não só aos seus respectivos políticos envolvidos e aliados de empresas de transporte urbano — a possibilidade de uma nova onda de protestos desarticulados e baseados em pautas como a redução da tarifa tomarem conta das ruas no Brasil, ambos fazem o possível para criticar e tentar ao máximo jogar um pro lado do outro.

Enquanto o petista Emir Sader enxerga no MPL uma ameaça ao prefeito Fernando Haddad, o “tucano dentro do armário” Reinaldo Azevedo vê nos protestos do MPL no começo deste ano uma ameaça ao movimento pelo impeachment, pelo simples fato de que o Passe Livre pode retomar pra si o protagonismo das ruas, até então dominado pelos movimentos de direita em 2015.

E nós, no meio do furacão, entre erros e acertos, não podemos permitir que ambos acabem com isso. (...).

 

sábado, 23 de janeiro de 2016

Status: me sentindo longínqua

Quiçá vintage...





Acredite: há coisa pior que Bolsonaro

Bolsonaro, lembrem, foi o capitão do exército que planejou explodir bombas em 1987, visando chamar a atenção para os baixos salários dos oficiais e pressionar as autoridades para o fato. Falastrão, bravateiro e terrorista, conseguiu ser desmentido até pela revista Veja (!).

Trinta anos depois, o mesmo falastrão terrorista quer definir o que deve ser ensinado nas escolas. Orgulhoso de seu conhecimento precário e seu raciocínio em carência crônica, Bolso lança mão dos valores familiares e moralistas, da bíblia e do óleo de fígado de bacalhau para angariar votos entre os zumbis que povoam a nação.


E é justamente nesse orgulho-zumbi-ostentação que se percebe coisa bem pior que o Bolso – são seus eleitores, verde-amarelos, destemidos nas quebradas virtuais ou também adolescentes tardios, alguns já entrados na trintena, precisados de uma revolta pra chamar de sua, mesmo que seja a da estupidez concentrada; e ainda, o zumbi-leitor do Código da Vinci que acredita ter certificado de erudito (sem nem suspeitar que Da Vinci era gay, by the way). 

Dá pra gargalhar muito às custas de tanta tosquice e deselegância, mas também dá pra ter arrepios... São esses semi-viventes aí embaixo, junto com o Bolso, que querem determinar como as crianças brasileiras devem ser educadas, o que os educadores podem produzir e no que você pode pensar. Valei-me Nossa Senhora da Iluminação a Gás!


domingo, 17 de janeiro de 2016

Te ensinaram coisas erradas (L. Sakamoto)


Fomos treinados para o preconceito. 
Libertar-se disso pode ser assustador

Leonardo Sakamoto

Deve ser assustador para uma pessoa que cresceu no seio da tradicional família brasileira, foi educada em escolas com métodos e conteúdos convencionais e espiritualizada em igrejas e templos conservadores, conviveu em espaços de socialização que não questionam o passado apenas o reafirmam e, é claro, assistiu a muita, muita TV, de repente, ser bombardeada com novas “regras'' e “normas'' de vivência, diferentes daquelas com as quais está acostumada.

Ouvi um desabafo sincero do pai de uma amiga que não entendia como as coisas estavam mudando assim tão rápido. Ele reclamava que tirar uma da cara do “amigo que era mais gordinho'' era só “coisa de criança'' e não bullying passível de punição. “A sociedade está ficando muito chata'', disse desconsolado.

De repente, contar piada de “bicha'' ou “sapatão'' deixa de ser legal. Zoar com “preto'', passa a ser crime. Tirar onda com “traveco'' é mal visto. Cutucar o “mendigo'' e o “índio'' é proibido. De uma hora para outra, a lei de deus não é mais a única a iluminar o caminho, as mulheres reclamam do direito ao próprio corpo e à dignidade, os mais pobres e os mais jovens querem ser ouvidos e ter sua fatia no bolo.

Ou seja, para essa pessoa, o Manual de Usuário do mundo, que ela recebeu, em fascículos, ao longo da vida, de repente é chamado de ultrapassado.

Imagine como pode ser angustiante descobrir que a fotografia do mundo que você achava que havia compreendido, na verdade, está incompleto.

Ou melhor, imagine descobrir que te ensinaram coisas erradas, mantendo a desigualdade e injustiça, em nome de uma suposta estabilidade social.

É desesperador. Uma sensação horrível de vazio sob os pés. Mas também pode ser libertador.

A partir do momento em que você percebe que há algo errado no que sempre te ensinaram, pode se abrir para as dúvidas e tentar entender a complexidade e pluralidade das coisas ou se trancar ainda mais, abraçando os dogmas com os quais você estava acostumado, como um náufrago se agarra a uma boia com medo de se afogar.

Isso ajuda a explicar parte do prestígio de personagens como o bilionário e pré-candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, ou a miríade de esquisitices ultraconservadoras que habitam a fauna política brasileira. Percebam que não estou falando de direita, mas do extremo do extremo – que chama a própria direita de esquerda por estar fora da casinha.

Um cidadão médio dos EUA abraça o discurso violento e extremamente conservador de Trump. Ele se sente deslocado neste mundo em que um negro é presidente (independentemente das políticas que não adote para melhorar a vida dos negros), em que o Estado tenta implementar algumas (mínimas) políticas sociais e no qual o controle de armas é discutido abertamente diante da profusão de massacres e chacinas. Esse cidadão quer de volta o mundo que lhe ensinaram desde pequeno. Quer um porto seguro.

Muita gente que defende o passado com unhas e dentes tem medo de algo diferente porque foi preparado a vida inteira para ser um guerreiro de valores repassados por instituições como família, escola, igreja, trabalho, mídia. E nem sempre esses valores eram inclusivos, democráticos, solidários. Nem sempre a própria pessoa refletiu se esses valores faziam sentido para ela mesma.

Ou seja, é natural que sintamos medo daquilo que não estamos acostumados. E, da mesma forma, é natural que quem já tenha percebido que o mundo está mudando ao poucos sinta raiva ou decepção diante daqueles que se esforçam para que as coisas não mudem. Ainda mais quando a efetivação de direitos desse segundo grupo é ignorado e impossibilitado pelo primeiro.

Esses políticos, sejam de fora ou daqui, sabem falar diretamente com esse público que tem medo. Seus discursos são simples, fáceis de serem entendidos. Usam um vocabulário e elementos simbólicos que podem ser compreendidos por qualquer um. Quase uma sequência de tuítes, como é o casos dos discursos de Trump. O público se sente contemplado e abraçado – ao contrário de outros políticos que dizem defender o povo, mas falam apenas com a classe média alta ou intelectualizada.

Não há fórmula mágica. Precisamos de muita conversa e muita paciência. Não será no grito que a reflexão sobre a necessidade de se abrir para o novo, ou seja, para uma situação em que a dignidade de um número maior de pessoas seja contemplada, vai acontecer.

Xingar quem é reticente a mudanças e a abandonar sua zona de conforto (mesmo que essa pessoa seja, ela própria, uma das exploradas pela situação atual) não adiantará de nada.

E ignorar a sua existência apenas manterá parte da sociedade nos braços daqueles que se beneficiam do sofrimento alheio.
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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Ainda o Charlie. Bof!


Hoje, vários comentários e textos sobre a última capa do francês Charlie Hebdo. O mau gosto, a falta de respeito e, sobretudo, “retiro o meu Je suis Charlie”...

Só que Charlie Hebdo é isso, desde sua origem. Mesmo antes, quando seus criadores mantinham a revista Hara-Kiri. Parte de sua produção é podrona, grosseira. Sempre foi assim, há mais de 50 anos.

Não rola humor “inteligente, sutil e bem engajado”; apesar da crítica política, o que sobra é merda no ventilador, e salve-se quem quiser. Piadas sobre muçulmanos, campos de concentração, estupro, pobreza, entre outras, tudo sempre esteve ali – ao lado de denúncias contra ditaduras latino-americanas, por exemplo (umas de suas capas setentonas faz referência ao Chile, com um par de testículos torcido por um alicate).

Seus autores e desenhistas se definiam e definem como provocadores. São iconoclastas de verdade, até contra o que achamos válido. Temos que gostar disso? Não. Folheei poucos números da revista, tem muita coisa que acho ofensiva, por vezes, baixa. Então, não leio. Ninguém me obriga a fazê-lo. E esse meu desagrado não me impediu de ficar passada e plissada com o atentado de um ano atrás. E ainda me dá tristeza quando topo com uma entrevista antiga do Cabu ou do Wolinski.

Injustificável o que houve na redação do Charlie. Foi crime. Não importa se foi contra provocadores, contra quem desconhecia o “limite do aceitável”, contra quem “exagerava na dose” ou “não tinha o menor respeito”. Foi crime. Mesmo que eu deteste as caricaturas; mesmo que eu ache podre o machismo, a piada que humilha. Foi crime mesmo assim.

Quanto aos remanescentes da revista, continuam no mesmo caminho, radicalizando. Gosto? Não. Mas é assim que é a publicação. Desde o início. Moçada tem o direito de detestar e dizer por quê. Só que aí, a coisa resvala para as “análises abalizadas”, aquelas bem básicas e imediatas, que se colocam do “lado correto”, denunciando quem ali não está – e que tinha obrigação de, afinal, recebeu tanto apoio do mundo todo, inclusive o meu, né? Hora de sacar da manga a indignação.

Sério: a capa da revista é podre? Diga que é, critique. Mas não busque na publicação algo que ela nunca se propôs fazer. Charlie Hebdo nunca teve o apanágio da ironia refinada, não é de hoje, e é preciso situar essas edições, entender sua origem, suas ideias (não necessariamente concordar).

Agora, se você defendeu o direito à expressão destes humoristas e se dá conta de que não é o seu tipo de humor, problema seu. Conheça a história deles, antes de tudo, e não queira que uma produção existente desde 1960 se encaixe nas suas próprias escolhas, na sua militância, na sua ideia do que deva ou não ser humor.




domingo, 10 de janeiro de 2016

Meio intelectual, meio de esquerda (Antonio Prata)


Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinquenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinquenta anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.

– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda, frequenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo frequentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto frequentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que frequentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinquenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).

– Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?
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Texto: Bar ruim é lindo, bicho! Antonio Prata, Estadão, 26.12.08

 

sábado, 9 de janeiro de 2016

Cêis tão de brinks, né?


É o que passo a perguntar também ao amigo que, uma semana atrás, me explicava que a única saída para o país, na opinião dele, é a reorganização do PT, o mea culpa, a expulsão dos maus... e que fora do PT não haveria, também segundo ele, possibilidade de esquerda no Brasil. 

Gostaria de saber como a equação fica – mesmo sabendo que a gente é de-humanas e não consegue resolver equação...