quarta-feira, 23 de março de 2016

Uma redenção pra chamar de sua

Em tempos em que se xingam cachorrinhos com lencinhos vermelhos e se etiquetam os que não se rasgam na rua clamando contra a direita, sempre gosto de lembrar que não, não gosto da farda; nunca votei em qualquer candidato do PSDB; estou no meio da quizumba política desse país desde 1985, quando estava no movimento estudantil. Mereço uma medalha por isso? Não, mas é só pra frisar que respeito é bom e acho que tá faltando...

Isso posto, chego ao assunto. Ontem, encontrei Metralhadora Giratória, que também atende pelo nome de Lucidez, e engatamos uma prosa sobre as reações variadas ao momento em que vivemos. Parece que está no ar uma busca por redenção: para uma militância que se dissolveu na burocracia profissional e na virtuália; para o mal-estar causado por alianças escrotas para as quais não se votou; para a tristeza de ver que muita gente-boa-pra-caramba também se deixa subornar. Quem sabe se um fato que una todos contra as excrescências da justiça e da política brasileiras não possa, de repente, também apagar a contradição do “nosso campo”. Um fato tão grande que consiga reduzir à insignificância todos os incômodos que nossas escolhas possam trazer, toda as sombras que também habitam nesse lado de cá da ponte. É indiscutível que pessoas decentes sejam contra arbitrariedades, golpes, manobras; mas também é visível quando fatos se tornam grandes e redentores, ganham narrativas épicas, com ações heroicas e engajamentos que exigem alarde.

Até aí, que seja, afinal, cu e autocrítica, cada um tem os seus. A quizila aparece quando a redenção pessoal toma ares messiânicos, pois a fé não é racional; em nome dela, chuta-se o próximo enquanto se berra contra a arbitrariedade.


  

quinta-feira, 10 de março de 2016

Vim, li e morri!

 
 
 
 
 
  
 
 
 



Por fim, utilidade pública:
Propostas para desgovernado.trator@gmail.com
Tô dispô, sou bilíngue, doutora, lavo, passo e cozinho trivial-básico.
Serião.

terça-feira, 1 de março de 2016

Cotas, racismo, revolta & academias

Nestes últimos dias, três assuntos me deixaram matutando, todos os três passando pelo mesmo ponto: movimentos negros e questões ligadas a cultura, sociedade, representações e por aí vamos.

A entrega do Oscar foi um deles; há anos não acompanho, mas é difícil não cruzar com alguma menção à cerimônia; e nesta edição mais ainda, por conta do boicote de atores negros e da apresentação do fantástico Chris Rock, que de tolinho-engraçadinho-palatável não tem nada. Sem entrar em discussões bizantinas, acho que o boicote é instrumento válido sim, e quem dele se utilizou fez muito bem, na medida em que põe certas discussões na cara da moçada; e acho que quem participou também o fez na classe, também botou o racismo na roda, e não tem pra onde fugir no meio da premiação, né?

Ontem, no Metrópolis (TV Cultura), Adriana Couto entrevistou a atriz Mawuzi Tulani, o ator Sidney Santiago e o diretor/coreógrafo Eugênio Lima a respeito de Exhibit B, instalação que há 2 anos angaria a maior quizumba por onde passa; o autor Brett Bailey busca denunciar o racismo e fazer pensar sobre a violência da escravidão nas idades moderna e contemporânea, assim como a atualização dessa violência no racismo nosso de cada dia, disseminado de diferentes maneiras, das mais sutis até a polícia militar brasileira, por exemplo. Houve boicote, manifestações contrárias, assim como adesões e vontade de participação na peça por parte de atores negros brasileiros. E como sempre, uma discussão que tem tudo para trazer pontos de vista novos, abordagens inteligentes da questão e voz a quem geralmente não é ouvido, esse tipo de discussão recebe rolão compressor da mídia em cima, espaço para o vozerio de quem está habituado a falar muito/sempre e a reprodução de lugares-comuns irritantes e inaceitáveis, como o “racismo ao contrário”, “a censura”, “o mundo tá chato” e blá-bláááá-b... (coloquei a entrevista no final da postagem, vale a pena).

Por último, vi passar um texto que deixou meio mundo acadêmico do fêici na indignação. Isso por que o professor José de Souza Martins – com uma vida e uma produção acadêmicas preocupadas com a exclusão, a opressão, entre outros temas – teve interrompida a aula magna na FFLCH da USP (respeito, respeito, todo mundo de joelhos, por favor) por estudantes do movimento Ocupação Preta. Aproveitando o início das aulas, estudantes buscam situações-chave na vida universitária para trazer a público discussões que vários – mesmo no meio acadêmico – julgam “muito chata”, ou “que não é momento”, “não é assim que se faz” e, novamente blá-blááááá-b...

Vai daí que o Alceu Castilho (Jornalismo, Geografia e Direitos Humanos) publicou em seu blog um texto revoltado, taxando a ação dos estudantes de truculenta, opressora, similar a métodos fascistas, arrogante... O texto passa para “as redes”, e parte do mundo acadêmico fêicibucado se rasga, chora, diz que “é lamentável” ou especula “onde é que vamos parar?”, em termos teoricamente mais rococós (reações que me fizeram pensar na “repressão nazista contra Chico Buarque” no fim do ano passado).

E aí que, olhando o vídeo da aula magna interrompida, não encontrei hordas fascistas ou ações truculentas. Encontrei a mesma interrupção de aulas que já existia (boquiabertem-se!) no meu tempo. É parte integrante, mesmo que não “oficial”, de uma formação de humanas. Debate, debate, debate. Posso discordar da ação? É claro. Mas tenho a impressão que, neste caso específico, a crítica não passa só por isso. O retrogosto que fica ali, perdurando, encalacrando, é outro – questiona-se essa atitude numa aula de professor combativo, progressista, com uma história de vida engajada. Tudo é descrito como se os estudantes tivessem escolhido a dedo este professor e tivessem interrompido a aula porque são uns cabeça-de-vento ignorantes, que não guardam silêncio quando a academia consagrada se pronuncia. Sendo que a coisa toda é estratégica: em que momento haverá mais concentração de alunos e profes? Aula magna? É lá mesmo! Fosse quem fosse que estivesse com o microfone, seria interrompido (até o Chico Buarque).

Mas assim, não vale! Pois o professor é “dos nossos”. Quem sabe se a aula interrompida fosse do Luiz Felipe Pondé (podem me chamar pra participar da interrupção, tá?), o feito não seria compartilhado com orgulho? Talvez surgissem textos exaltando as novas (?) formas de intervenção, as articulações entre academia e movimentos sociais, a maria-mole rosa como instrumento revolucionário. 

O pior é que a discussão que alunas e alunos trazem à tona (sobre cotas, racismo, presença de negros na universidade) fica de lado. Mas parar de fingir que vivemos num paraíso universitário inclusivo e justo, veje bem, não é o momento. Protejamos nossa bolha, porque putz... dá um cansaço, vai atrasar o calendário acadêmico, vai ter que deixar divindades acadêmicas em segundo plano. Não precisamos exagerar, né? Quem sabe num outro momento, em outro fórum, com uma convocação bem divulgada ao qual esqueceremos de comparecer ...?

Conheço professores e professoras, que admiro e respeito muito, que não concordam comigo em nada disso. Mas cá entre nós, ou a universidade acolhe, promove e participa efetivamente de debates e ações atualíssimos, ou soçobra na pasmaceira, puxada ao fundo pelo peso de seus rapapés, papeis, reuniões, linhas, comissões...