sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Brasileiros e seu espaço, por Arnaldo Branco



Eu acho que o brasileiro é assim desse jeito errado por falta de visão periférica. Quando se trata de perceber a existência do outro e de levar em consideração a necessidade de respeitar os limites do próximo, somos o anti-Ronaldinho Gaúcho. Pra quem não manja de futebol, Ronaldinho Gaúcho é famoso por passar a bola para companheiros bem posicionados enquanto olha em outra direção, sei que é uma merda explicar piada mas acabo de falar na importância de respeitar os limites do próximo.
Percebam a ação do brasileiro em um lugar onde o espaço precisa ser compartilhado por muitos e nem sempre há área de circulação suficiente para evitar colisões - um supermercado, por exemplo. Nosso herói não só costuma parar diante do setor de produtos de limpeza para analisar suas opções como se estivesse examinando o quadro da Monalisa no Louvre como também cultiva o hábito de largar o carrinho de compras atrás de si, interrompendo o fluxo dos outros seres humanos que claramente tem menos importância na escala evolutiva do que ele.
Mesmo em uma das experiências mais degradantes da existência humana, o ônibus lotado, o brasileiro consegue a façanha de impor sua presença aos outros através de vários recursos: a perna aberta, a mochila nas costas, o quadril relaxado. Na hora de fazer valer seu direito ao espaço que escolheu preencher não tem lei da física que possa impedir.
O brasileiro trata cada metro quadrado do seu caminho como um território inimigo a ser conquistado. A cada passo ele finca uma bandeira imaginária, expande o peito e abre os braços para consolidar o perímetro. As pessoas ao redor que procurem outro quadrante habitável, aquele tem dono até que esse general invencível decida a próxima escala de sua turnê mundial.
Por isso acredito que não haja qualquer esperança de um projeto comum neste país. Um lugar onde um pedido de licença soa como uma ordem de despejo não pode mesmo aspirar por justiça social, ou que pelo menos esse filho da puta tire o carrinho da passagem.




quinta-feira, 5 de outubro de 2017

“Plumas & Paetês” – porque no meu tempo...

Em 1980 eu tinha 11 anos. João Figueiredo era o general da vez, com toda a bizarria ministerial de Galvêas, Andreazza, Rischbiter, Delfin Netto, Passarinho e demais figuras que não deixaram saudade alguma. A não ser para alguns intelectos comprometidos, que juram ter vivido num paraíso de educação moral e cívica, todo trabalhado na novena, na semana da pátria e no sanduichinho de pão de forma cortado em triângulo...

Como essa homogeneidade verde-amarela não existia, a gente convivia também com nossa versão disco em músicas, roupas e, claro, programação de TV, incluindo as indefectíveis novelas e suas aberturas pré-Hans Donner. Dia desses, acordei com a música de Plumas & Paetês na cabeça. Música tema da novela com mesmo nome, era interpretada por Ronaldo Resedá, bailarino, ator e cantor que provocava furor no fim dos 70/início dos 80. Não tinha tiozão do pavê que não o chamasse de “boneca”, referência de tiozões e tiazonas a homens gays.



Mas, pasme o MBL, Ronaldo Resedá dava as caras semanalmente na TV, por conta de suas músicas coreografadas para o Fantástico e, claro, das aberturas e demais temas de novela que escrevia e interpretava. Foram muitas.

Marron glacê (1979) foi uma delas – novela e música, com vídeo oficial do moço entre mesas de um restaurante cafoooooooooonnnna, todo enfeitado “para festa” (provavelmente, aquelas às quais se ia vestindo “esporte fino”🙈 e com “um brilho nos olhos”). Não importa, ashcriança gostava mesmo era da música, do cantor e da coreografia 😆.

E a tal Plumas & Paetês apareceu um ano depois, contando a história de modelos de uma agência. Havia outras coisas, mas não lembro... Seja como for, a abertura era construída na base do espelho, do paetê, da sombra “gatal” (como dizia Mayumi), calças-pijama e acessórios futuristas. A música? Deixava moralistas arrepiados, pois dizia que “trocar de roupa é como trocar de marido / pois o amor não vale mais que um vestido”. E assombrem-se, modernos bastiões do moralismo, a novela era exibida diariamente. Às 19h.



Ah, sim! Destaque para a menção à tortura (não se usava a palavra por acaso) e à abertura – a abertura política daqueles dias fazia a linha dura explodir bombas em shows, bancas de jornal, instituições associadas à luta pela democracia. 





Não sou nostálgica, mas me pego lembrando dessas coisas ultimamente...