quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Um passinho pra trás, por favor, Brasil – a TFP reloaded


Este início de ano, de século e de milênio tem trazido flashbacks da infância desgovernada como nunca. E nenhuma saudade. 

Ontem, depois de ler alguns comentários online e manchetes típicas da Gazeta do Povo e afins, fiquei lembrando da TFP – a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Fundada em 1960, é um movimento extremista dentro da Igreja Católica, todo trabalhado na cruzada moralista, no megafone e no brocado dourado sobre fundo vermelho. Sim, carregavam estandartes e escandiam as sílabas para denunciar a pornografia, a blasfêmia, o divórcio, o comunismo e a dissolução da família. Contra-o-co-mu-nissss-mo! Pe-las-fa-mí-lias! (tenho certeza de que também lutavam pela preservação das toalhinhas de crochê, do pêssego em calda e da compota de figo).


Os senhores da TFP (apenas senhores) desfilavam de terno e gravata, estolas vermelhas e se posicionavam em locais estratégicos para denunciar a dissolução dos costumes. Me lembro deles na Rua XV em Curitiba. E também do susto que levei quando brincava e avistei um destacamento desses vindo pela rua em que eu morava (aliás, nem um pouco movimentada). Faziam ações em portas de teatro, cinemas, escolas, praças públicas. O sectarismo era tamanho, que até a Rede Globo palpitou contra e recebeu ameaças. Num Fantástico de 1978, houve resposta da entidade, réplica, tréplica, tudo no melhor estilo do programa que perturbou o sono e a saúde mental de crianças por mais de uma década – a matéria foi apresentada por Cid Moreira, com direito àquele cenário mostrando um feto cercado por papel laminado rasgado, ao som de uma música sinistra; quem via, lembra (aqui). O horror, o horror.

Buenos Aires, anos 1970

A TFP espalhou-se por toda a América Latina, deu crias nos Estados Unidos, França, Hungria, Polônia, Espanha. No anos 90, o fundador Plínio de Correia Oliveira morreu. E a seita do católico fanático rachou, em dois tentáculos. Um deles, comandado por um monsenhor, recebeu a bênção papal de João Paulo II; dedica-se a distribuir medalhas, pedir donativos, investir na formação da juventude. O outro grupo move processos na justiça (há bens envolvidos, claro), queixa-se de traição, faz acusações, tudo embalado em ternos cinzentos e fotos defronte estantes de livros.

Não sei qual dessas alas tentou se modernizar (perfeita contradição de termos), mas uma delas pôs na rua uma versão light, com jovens impecáveis, do tipo estudantes de direito & direita, angariando assinaturas para projetos de lei, contribuições e xavecos. Em dias de muito sol, circulavam com um guarda-sol colorido, sorriso pregado na cara. Trocaram o megafone e os estandartes vermelhos por faixas amarelas no peito e medalhas de todo o tipo. Momento maldade, quando era aluna de história: nesses mesmos anos 90, na Rua XV, a gente parava e dava trela para os engomadinhos, pedindo que explicassem pontos de suas teorias capengas, até que eles cansassem. Só funcionou umas 2 ou 3 vezes, depois, eles já nos reconheciam e desviavam. Aaaaahhhhh....

Modos-que algumas palavras de ordem berradas atualmente soam familiares demais nas orelhas de quem tem 40 para cima. Oportunistas com parcas e porcas ideias, como kataguiris, campagnolos, bolsokids, frotas e demais tiveram escola. Em algum momento, beberam desse toddynho até a última gota, garantindo uma perfeita deformação de caráter – hoje celebrada como novidade, pura, íntegra.



Um passinho pra trás, por favor... O que poderia dar errado, não é mesmo?


Na sede da entidade, interior de SP, em 1980
(sem som)