sábado, 7 de março de 2020

Cavalgaduras em cruzada


Vivemos tempos de pastiches do medievo bastante cagados peculiares, repletos de cavaleiros, cavalgaduras e cruzadas bisonhas. Depois do piá de prédio, o cruzado de apartamento irrompe no cenário nacional, anunciando suas fontes de inspiração...


L'armata Brancaleone (M. Monicelli, 1966)

 

Les visiteurs (J-M. Poiret, 1993) 



Jabberwocky (T. Gillian, 1977)

 

The Adventures of Robin Hood (M. Curtiz/ W. Keighley, 1938)

Num cenário mais feitincasa, buscando uma aproximação espaço-temporal, certeza que sobrou um espacinho no coração para o nosso brioso Pedro I, esculachando as cortes portuguesas na beira do corguinho.

 

 Independência ou Morte (C. Coimbra, 1972)
 

sexta-feira, 6 de março de 2020

Cuidado com os idos de março e o “feliz dia da mulher”


Aberta a temporada do “você, mulher...”, “parabéns pelo seu dia” e patacoadas no estilo, além dos indefectíveis descontos no workshop de pão de queijo (para transformar o lanche em família numa festa),  na limpeza de pele (para ressaltar ainda mais a sua beleza) e nas seleções de bolsas e sapatos de salto gentilmente organizadas por marcas que sabem que tudo o que você, mulher, precisa é valorizar a autoestima.

Assunto novo isso não é, mas precisa continuar sendo martelado na medida em que uma data para ressaltar a luta por direitos e trazer à luz combates históricos continua sendo apropriada pelo comércio e esvaziada de seus sentidos políticos, sociais. Já ouvi vááárias vezes o quanto isso é coisa de recalcada-feminazi-solteirona-feia-invejosa  [ACRESCENTE AQUI A QUALIFICAÇÂO MACHISTA DE SUA PREFERÊNCIA] afinal, estão nos fazendo uma gentileza! Aqui e ali, nos dão parabéns, oras! Levanta a mão quem já teve a própria beijada pelo colega que faz mesuras de cavalheiro, para intensificar a homenági. O post brilhando com rosas de glitter já pipoca cedo, junto com poemas duvidosos falsamente atribuídos a Drummond, Quintana ou qualquer outro que atenda pela pecha de poeta (porque mulher e poesia combina que é uma beleza, vocês sabem). E, claro, declarações de mulheres sobraçando um cento de rosas vermelhas dizendo que é feminina e não feminista e que gosta sim, de ganhar flores.

Daí a gente explica pela giganésima vez que não há problema algum em usar salto, gostar de flor, batom, receitas, costura, bdsm, seja lá o que for, desde que seja escolha. O problema é apagar debates necessários e urgentes esvaziando-os do seu sentido original e reduzindo-os a imagens inócuas, infantilizadas e altamente comerciais como dia das crianças, por exemplo.

Então, buscando recuperar o sentido que teimam em querer extinguir ou simplesmente negar, dia 8/3 é um marco, uma lembrança internacional sobre a necessidade de paridade, de garantias, de proteção social, de leis, de punições a quem as descumpre; é sobre a necessidade de se retirar o debate religioso das políticas públicas voltadas às mulheres, de se retirar a aura de amor romântico das possessividades violentas, dos crimes; de parar de culpar mulheres (héteros, lésbicas, cis, trans) pelas violências a que são submetidas.

Mas enquanto a gente puxa de um lado para que essas questões ocupem o “horário nobre” do debate, tem quem puxe a outra ponta sublinhando nossa chatice, falta de sensibilidade e a mania de ver tudo pelo lado negativo (levanta a mão também quem já ouviu dessas). Piooooor, o colega disquerda que insiste na ladainha de que essa discussão é pauta identitária destruindo a esquerda e a maria-mole rosa (com pitadas de “até pegaria feminista, mas só tem feia” ou “mulheres não valorizam homens sensíveis e inteligentes” – levanta a mão...).





Bonus track da passação de vergonha machista: profe universitário revirando os olhos, “agora não dá mais pra fazer uma gentileza a uma mulher, que a gente já leva um coice”. Claro, professor, nossa tarefa é ficar à espreita de um homem gentil para humilhá-lo publicamente, aos gritos loucos, de preferência atirando nele coletores menstruais – sim, essa imagem e similares são mais do que evocadas nesses idos de março, começando por tias deste Trator que aqui escreve.

Manual de instruções: presente, todo mundo adora receber. Não precisa de data, mas corresponder ao gosto da pessoa em questão, certo? Quanto à gentileza, digamos que é condição sine qua non para a interação humana de quem já desceu da árvore e se equilibrou sobre duas patas, assim como defender políticas públicas de qualidade e justiça social. É básico. Agora, arremedo de poema ruim com flores e corações ninguém merece. Por favor.