domingo, 9 de janeiro de 2022

Cadáveres e catástrofes: quem dá mais?

Ligo a TV, de bobeira. Canais de notícias pesando a mão para falar do acidente em MG. Em repetição infinita, imagens de um paredão de pedra que se desprende, cai; barcos, turistas, tragédia. A apresentadora narra o que já está explícito. Depois acrescenta: “Assista novamente, agora com o áudio. É possível ouvir gritos”. A imagem de segundos se repete novamente, agora com ruídos. “Acompanhe o resgate das vítimas”.

Tem quem pense que isso seja uma das marcas da nossa decadência ética, moral, sabor limão e afins. “Não sabem mais o que fazer para ter espectadores”, “Apelação barata”, “Falta de respeito”, “Sensacionalismo”, “Onde é que chegamos” e “[DEIXE AQUI SEU COMENTÁRIO INDIGNADO CONTRA A IMPRENSA]”. Pooooréeeeemmmmm... vale lembrar que a prática é tão velha quanto a própria imprensa, principalmente a policial e a que cobre desastres. Nunca existiu uma imprensa “respeitosa” com relação a esses temas, e muito cedo se entendeu que tragédia, horror e baixaria vendem. E muito. 

Uma das figuras que melhor representaram essa dinâmica foi o repórter fotográfico Weegee (Arthur Fellig), que cobriu os bas-fonds de NY entre 1930-50. Em suas fotos, sobra cadáver com tiro na cara sangrando na sarjeta, entre outros. Antes de se tornar consultor renomado e realizar experiências fotográficas, Weegee vivia da venda de fotos da noite nova-iorquina para jornais, então, as imagens precisavam impressionar, tinham que ser dramáticas, para serem reproduzidas, compartilhadas, repetidas. E como um cadáver no chão nem sempre rendia uma imagem chocante na página policial, o fotógrafo não hesitava em arrastar um corpo para mais perto de uma lata de lixo ou placa, por exemplo, nem a fabricar poses mais impactantes com os cadáveres. Tudo tinha que ser rápido, antes da chegada de outros fotógrafos (ele revelava as fotos dentro do próprio carro). A história do sujeito é ótima, suas imagens mais ainda.

Voltando para a atualidade, a gente percebe que a ideia permanece, mesmo que algumas práticas (em teoria) não sejam mais permitidas. Só que o mais irritante é a camada de “seriedade jornalística” que tentam pincelar em cima do sensacionalismo mais chinelagem que mostram, é a cara de conteúdo que apresentadores e apresentadoras tentam ostentar enquanto arrastam uns corpos aqui e umas tragédias ali. Tirar imagens de foco não confere qualquer dignidade a essas coberturas que, sabemos, são montadas para garantir telespectadores para publicidade de bancos, montadoras, empreiteiras, multis & parasitagem em geral.

 

Weegee em ação (anos 1930)