quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Facul: expectativa x realidade

Não adianta. Mesmo para viventes já rodadas como eu, a ideia de aula na universidade guarda, em algum lugar de nossos cérebros, uma expectativa marromenão assim:
Claro que a uma forma dessas corresponderia um conteúdo fantástico. Não aquele que distrai como stand-up, que produz risonhos e felizes. Nada disso. Pense aí naquela sensação de descobrir algo, de sentir as dúvidas se multiplicando em progressão geométrica dentro das suas pequenas certezas; pense naquele maravilhamento de ouvir uma criatura que sabe muito, por estudo, vida e experiência, e que está ali, entabulando discussão com você e seus semelhantes. Pense.

A gente sabe que as coisas não são essa lindeza toda, mas não chega a imaginar que se arrastem no meio fio, que se nivelem pelo medíocre... A gente não imagina que vai ter que debater com profe sobre a maneira como mulheres “de certa idade” se vestem; a gente não imagina que vai ter que ouvir que a moça da minissaia quase foi linchada na facul, 10 anos atrás, porque não se deu ao respeito (e a gente não sonha que vai ouvir a collègue dando razão ao profe) ... 

A gente também não imagina que a profe vá promover hemorragias de caneta bic sobre as produções dos alunos e as exponha, erguendo triunfalmente folhas de papel feito cabeça espetada em estaca. Não imagina que profe orientador fique dormindo no dia da banca de qualificação do aluno, pois esqueceu, se confundiu com os horários (que ele mesmo definiu). Moçada não imagina que profe vá narrar suas aventuras com a moça do leste europeu; não imagina que vai ouvir o melô da meritocracia; a choradeira porque é tanto trabalho; porque têm que tirar dinheiro do próprio bolso para organizar sabe-se lá o quê; que as aulas se resumam a orientandos preenchendo tempo – nada contra os orientandos, tudo contra a política alguém-tá-lá-ocupando-tempo-no-meu-lugar (minha foto num balão também conta como presença?)

A gente não imagina que vai ficar espremido entre uma PEC 241 e pessoas que não podem, não merecem, não devem estar à frente de um grupo de alunos. Como dizem meuzcoleguinha, que morte horrível...



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

PEC 241: Deputados terão coragem de dizer que defendem educação e saúde? |Sakamoto|

A Câmara dos Deputados vai votar a proposta que muda a Constituição Federal para impor um teto ao crescimento nos gastos públicos. Com isso, o montante que o governo pode gastar será reajustado pela inflação do ano anterior, o que significa que os recursos para implantar novas ações serão limitados. Se a educação e a saúde públicas fossem exemplares, vá lá. Mas falta muito para alcançarmos a linha de dignidade.

Ou seja, ao contrário dos contorcionismos, malabarismos e truques de mágica que o governo Temer faz com as palavras para que você acredite que nada vai acontecer, essa medida irá impactar os investimentos nessas áreas fundamentais, a partir de 2018 e pelas próximas duas décadas.

Atrelar o crescimento de gastos em educação e saúde à inflação tem um efeito cumulativo sentido ao longo do tempo. Talvez nem seja você a sentir a paulada, mas seus filhos e netos.

O aumento da destinação de recursos em educação e saúde tem ocorrido acima da inflação nas últimas décadas – em parte para responder às demandas sociais presentes na Carta Magna de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir o imenso abismo social do país. Se o reajuste tivesse sido apenas pela inflação, o tamanho da oferta de serviços não cresceria, permanecendo tudo como estava.

Como já disse aqui, ninguém nega que o déficit público precisa ser equacionado e que soluções amargas devem ser propostas e discutidas. E todos terão que dar sua contribuição, ricos e pobres. Mas Michel Temer, seu porta-voz Henrique Meirelles e centenas de congressistas demonstram um carinho grande com o andar de cima ao propor uma medida que limitará gastos que mexem diretamente com a qualidade de vida dos mais pobres e evitam aplicar remédios amargos entre os mais ricos.

Falar de aumento de impostos aos mais ricos é um pecado inominável nos dias de hoje. Propor a taxação de dividendos recebidos de empresas é crime. Defender a alteração na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem ganha mais e isentando a maior parte da classe média) é um aberração. Isso sem falar que discutir a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas e o aumento na taxação de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu) é passível de exílio.

Afinal de contas, debater formas de reduzir a desigualdade crônica sempre foi caso de linchamento ou empalamento em praça pública. Ou, pior: caso de polícia.

Essas medidas sozinhas não resolvem a bancarrota para a qual caminhamos por conta do governo Dilma, mas sinalizaria algo importante: que o país não é mais um lugar no qual os lucros são privatizados pelos mais ricos e os prejuízos são entregues aos mais pobres.

O governo ao invés de buscar medidas que amortecessem o sofrimentos dos mais pobres, que são os que mais sentem uma crise econômica, tenta preservar quem não precisa ser preservado.

Eu, se fosse você, lembraria muito bem dos rostos e nomes dos deputados federais e senadores que votarem a favor da Proposta de Emenda Constitucional 241, tal qual vocês também lembram dos políticos condenados por corrupção.

Se tiverem a cara de pau de abrirem a boca para dizerem que defendem educação e saúde na campanha eleitoral de 2018, condene-os ao esquecimento. Ou os denuncie por propaganda enganosa.