terça-feira, 24 de abril de 2018

Polícia no “Baile da Saudade”


Quando eu era adolescente, e as playlists se faziam em fitas K-7, havia uns programas na TV chamados Festa Baile, Baile da Saudade e coisas afins. Vovozinhos e vovozinhas trabalhados no terno cinza e nos giga broches florais se apertavam num cenário que incluía mesas com toalhas brancas e arranjos vegetais duvidosos. A imagem era bem cagada e as músicas remontavam a 40, 50 anos atrás, muitas já usadas e recicladas em filmes, novelas, publicidades. Pairava aquela vibe nostálgica, suspiros  por um tempo em que era-se jovem e tudo era lindo. Hoje, ocupo eu o posto da vovozinha. Não sou saudosista nem acho que “antes era melhor”. E a trilha do meu Baile da Saudade, também já usada e reciclada (em filme ruim, inclusive), vem do disco Cabeça Dinossauro, dos Titãs, de 1986.

José Sarney ocupava a cadeira presidencial. Uma greve geral, que chegou ao Palácio do Planalto, foi batizada pela imprensona pesada de badernaço. O Plano Cruzado II dava as caras. Eu fazia o terceiro ano do magistério no Instituto de Educação, pertencia ao Grêmio Estudantil D. Júlia Wanderley e à União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Curitiba (vocês nem adivinham quem havia sido presidente da entidade pouco tempo antes 😁). 

Aaaah, aqueles tempos que não voltam mais parecem nunca mais ir embora, não é mesmo? Então, quando ouço Polícia, primeira faixa do Cabeça Dinossauro, parece que volto no tempo que andei em círculos. Ou que nem saí do lugar... Dureza é constatar que a música sofreu uma “apropriação cidadão-de-bem”, digamos assim, que inverte o sentido das palavras polícia para quem precisa, usando a ambiguidade do refrão. Mas na minha Festa Baile, ela ainda guarda o sentido original do século passado e continua servindo de trilha sonora para as questões sociais do pais.

Por exemplo:
Polícia Militar e Guarda Municipal de Florianópolis aspergem pimenta e fecham numa sala funcionários da saúde, das creches e jornalistas.

Choque da Polícia Militar ataca professores do Ensino Infantil de Belo Horizonte.



Há quem tema os militares novamente no poder. Não precisa, moçada: 1. Governadores, prefeitos e suas polícias militares já estão dando conta do recado; 2. Escrevinhadores da imprensa fossilizada, que passam pano pra qualquer tipo de otôridade, reprisam a narrativa da “baderna”. 3. A panelagem exige a punição de trabalhadores. 

Voltamos ao ponto de partida, e você não pode jogar outra vez.








 

domingo, 22 de abril de 2018

Pimenta na democracia dos outros...

 A prefeitura de Florianópolis vai pagar a iniciativa privada para que esta forneça serviços públicos. São as tais Organizações Sociais (OS), entidades privadas que recebem do governo para atuar em áreas de “interesse público”. Assim como saúde e educação. E as tais OS se definem como “sem fins lucrativos”.

Então, viventes desta pujança chamada Brasil, não é porque há proprietários de escolas privadas, planos de saúde e demais grupos econômicos lobistas envolvidos que a coisa tem fim lucrativo. Tá? Afinal, a gente sabe que se tem uma coisa que acordos governamentais garantem por aqui é serviço público de qualidade acima de tudo, né? Ééééééééé!

Vai daí que em Florianópolis, o prefeito Gean Loureiro, do MDB (que século é hoje, moçada?), se contorceu e articulou para entregar creches e postos de saúde municipais às tais OS. Antes mesmo de a bagaça se concretizar, a prefeitura já estampava a propaganda milionária na TV (mais de R$ 9 milhões). Funcionários da prefeitura (alguns com salário atrasado e sem as devidas reposições) em greve, e com toda a razão. Votação em regime de “urgência urgentíssima” (sério, essa expressão existe, é oficial), num sábado à tarde.

Na sessão, bancada governista ofendendo servidores municipais e sindicatos. Estes, por sua vez, impedidos de entrar para acompanhar as discussões que decidirão suas vidas. Sim, pois as tais OS são um eufemismo para terceirização, fim de planos de carreira, contratos temporários de pessoal e por aí vai.


Na malfadada sessão, vereadores alinhados ao prefeito tentaram impedir de votar os contrários ao projeto. Vereador ligado ao MBL falou em fake news propagadas pelos opositores. Fardados entraram em ação. Spray de pimenta na cara de manifestantes e da imprensa. A Própria NSC (ex-RBS) assinou carta de repudio dos jornalistas contra a violência policial – trancaram imprensa e manifestantes em uma sala e aspergira pimenta na geral... “Bando de vagabundos comunistas”, brada a panelagem, até agora.

Uma viatura da polícia foi queimada “por manifestantes” – quais, ninguém sabe, ninguém viu. E o projeto foi aprovado. Ou seja, dinheiro público para empresas privadas. A definição é simples, clara. Quem bota um “mas” aí, o faz por má-fé.

O serviço público é falho? Sim. Então, lutemos para que melhore. Exijamos. E que sejam desmontados, com dados e informações reais, os argumentos favoráveis às privatizações que só alimentam abutres políticos e o delírio do cidadão-de-bem-que marcha-com-deus-pela-pátria.

Em tempo:

1. Abaixo-assinado contra a terceirização do serviço público em Florianópolis. Assina aqui, moçada!
👉 http://www.encampa.com.br/floripacontraos/

2. Aqui, o prefeito explica porque a política pública de saúde na capital não saía do papel: aparentemente, estamos aguardando para poder implantar o modelo inglês... Já dá pra servir o chá das 5 depois dessa votação?

3. Aplausos aos envolvidos no processo, que botaram este sujeito na prefeitura em 2016. Os que estão enchendo os bolsos, desde então, eu até entendo, pois mau-caratismo tem preço. Os que o elegeram “por convicção”, sinceramente, não sei em que dimensão alternativa cataram os próprios cérebros. É alarmante!

    

4. E depois do prefeito Loureiro, leva o caneco do maior cinismo da semana o comando da PM de Florianópolis. Sobre o ocorrido na câmara, explicaram:



quarta-feira, 18 de abril de 2018

Sou um lixo, mas peço desculpas


Li hoje que a “magistrada” Marília Castro Neves – que se destacou mês passado por suas parcas & porcas ideias sobre Marielle Franco – veio a público novamente, com um pedido de desculpas à professora Débora Seabra. A detestável Castro Neves ofendeu a professora, que tem Síndrome de Down. Anteriormente, ela já havia criticado o Dia da Consciência Negra, a Lei Maria da Penha e o deputado federal Jean Willys.  Seus comentários não são poucos, não datam de ontem e recebem muitos likes e aplausos.

Investigada pelo Conselho Nacional de Justiça, a potestade das trevas então se desculpa. Diz ter sido “precipitada”, espalhou merda na cara do mundo sem verificar a natureza do conteúdo, blablablá, “me desculpe, não desejo mal a ninguém, obrigada por ter me ensinado ...”. Tá. Tendo em vista a investigação do CNJ, ela produziu uma prova pública de arrependimento. Só isso.

Mas tem quem acredite em pedidos de desculpas “sinceros” e públicos, do tipo “aprendi a lição, nunca mais faço”. Como se fossem o objetivo final de uma história como essa. Desse modo, uma gente intolerante continua destilando ódio fantasiado de opinião. Quando pegos em flagrante, posam de paladinos da honestidade, levados ao erro por precipitação, pelo calor do momento, pelos comentários de amigos. Sempre por outra coisa que não a própria vontade, a própria intolerância. Alguns passam a acreditar nas próprias balelas, repetidas tantas vezes e com argumentos tão cidadão-de-bem, palavras tão lapidadas, expressões tão combinando com o almoço em família.  

Essas atitudes me fazem lembrar do documentário I Am Not Your Negro (Raoul Peck/ EUA, 2016), sobre o ensaísta e poeta James Baldwin. A certa altura, fala-se sobre a intolerância que a sociedade americana parece gostar de alimentar, ao mesmo tempo que cultiva a ideia de simplicidade e sinceridade. Ou seja, as pessoas dizem e compartilham as maiores barbáries, as ideias mais rasteiras sobre o mundo e os outros, mas tudo bem, elas se desculpam “com sinceridade”. Se mostram simples, quase ingênuas, não compreendendo o porquê de tanto barulho. 

Reforça-se, assim, uma imaturidade na qual ninguém precisa se conscientizar, aprender, sofrer, se questionar. Basta vir a público, simples e sincero. Sua intolerância será perdoada. “Não fiz por mal...”. Compreendida. Abraçada. Ódio e desprezo passam por opiniões apenas. Nada a se preocupar. Sorriam todos. Está tudo bem.


 


domingo, 15 de abril de 2018

Na terra brasilis, quem tem opinião é especialista

Sempre ouvi que todo brasileiro se acha técnico da Seleção. Podem achar. Mas têm a certeza de que entendem de ensino, principalmente o público. Qualquer zé-cidadão-de-bem caga regra sobre escola, profes, métodos, programas e afins. Você pode mostrar seu diploma de Instituto de Educação, desenrolar seus anos de experiência em escola de periferia, educação de adultos, o escambau. Partem pra cima de você indignados, afinal, onde já se viu profissional da educação achar que conhece o próprio trabalho? Francamente...