quarta-feira, 29 de junho de 2016

Você não é conservador, é só um babaca a mais

Tenho lido que os conservadores estão saindo do armário. E aí, várias coisas. 

Conservadores não saem do armário, porque nunca entraram, certo? Meio que estão nem aí pra grita geral midiática e pro debate além de suas próprias paragens e referências. Conservadores não são a mesma coisa que o(a) reacinha que dá plantão na Internet, repetindo a meia dúzia de frases de blogs de periódicos vergonha-alheia como Veja, que decorou como se fossem iluminações. 

Eu cá não sou conservadora, nunca me identifiquei com suas posturas e escolhas, mas já tive debates sensacionais com quem era, e aprendi muito. Tratava-se de um grande intelectual lá da minha terra, um dos organizadores do setor de ciências humanas da universidade federal na qual fiz graduação e mestrado; foi professor de todos os meus melhores professores. Tinha sido interventor por um período, após o Estado Novo, em 1946. Se dedicou a ensino e pesquisa – quando digo se dedicou, quer dizer de verdade, com cuntiúdo e sustância. Era apaixonado pela teoria da história. E eu o conheci por conta dos caminhos cheios de curvas que a gente toma pela vida afora. Não em 1946, tá?!

Um dos meus grandes professores, Francisco Paz, me chamou um dia pra um tête-à-tête. Precisavam de alguém que lesse para o professor Brasil Pinheiro Machado, pois, já beirando os 90 anos de idade, estava com a visão precária. Apenas o nome do professor Brasil já é coisa que impõe respeito para quem o conheceu, mesmo que não pessoalmente, mas por seus textos, por exemplo. Fui. Passei por uma “leitura teste”, na casa dele, num dia muito frio de agosto. Me lembro do sol, da manta xadrez do professor Brasil sobre suas pernas e do meu medo de nem conseguir falar, que dirá ler para ele. Me estendeu um texto de Hegel e disse que eu podia começar. Com as duas mãos apoiadas sobre a bengala, ele ouvia, os olhos perdidos em algum ponto a sua frente, mas que davam a impressão de estar me encarando. E lá ia eu, lendo, parando quando ele pedia, ou quando ele queria discutir um ponto específico. Discutir em termos, né? Porque ele dava uma aula a cada parada. Perguntava o que eu achava. Esclarecia. Sondava minhas referências de leitura. Ao fim do texto, perguntou sobre o mestrado que eu fazia, queria detalhes do projeto, das referências teóricas, da pesquisa, do que dizia meu orientador. Por fim, ficou combinado que eu voltaria. Uma vez por semana. Que com o tempo viraram duas. Depois, três. Ele falava sobre política como grande historiador que foi. Nunca falou abertamente de suas opções, mas concluí que não se tratava de nenhum revolucionário de outros tempos... Li para ele até que a doença o debilitasse muito, e as leituras não fossem mais possíveis. A última vez em que o vi, justificou a interrupção dizendo que já havia resolvido as questões teóricas que tinha em mente. Ele morreu uma semana depois.

Assim, quando penso em conservadores, penso no professor Brasil, com seus olhos que quase não viam mais, embora ele soubesse exatamente onde estava cada livro. Apontava com a bengala: “deve estar na prateleira de cima, à esquerda. Veja se você acha.” Claro que estava exatamente lá. Como também estavam suas lembranças e referências, aparecendo na medida em que discutíamos. Tudo isso acabou marcando as minhas próprias referências, me dando a certeza de que, em termos de conhecimento, estou sempre muitos passos atrás. Já saio devendo...

Continuei não conservadora pela vida, mas com a certeza de que um debate inteligente faz ultrapassar a mesquinhez mental rapidinho. E feliz quando há ideias diferentes em jogo, mas, claro, num panorama lúcido, com um conhecimento capaz de relacionar de forma coerente as coisas aparentemente mais díspares no mundo.

Então, conservadorismo, na minha cabeça, é assim. Não o desfiar de chavões tolos e conclusões paleolíticas. Você pensa diferente? Ótimo: você pensa! Mas o que se vê por aí é um punhado de recalques enfeitadinhos, tentando passar por reflexões profundas acerca de um mundo que não estaria à altura de tanta riqueza intelectual e tanto conhecimento político – tudo isso, bem entendido, despejado num óleo já pra lá de requentado, no qual boiam colunas e sites de uma pobreza patética e uma violência de ideias primária (e assustadora).  

Na bôua, santa, aplaudir Bolsonaro não é ser conservador. Isso é ser o(a) reacinha da vez, apaixonado(a) pelas próprias linhas, que só repetem parcas e porcas ideias como se fossem voos inspirados pelo espírito da renascença. Sério, isso não é a definição de conservadorismo. Você só é babaca, do tipo revoltadinho(a), temeroso(a) de que tomem suas preciosidades – aquelas que ninguém quer. Você que tem uma ideia fixa e não deixa que nenhum debate, aula, texto ou o que for se desenvolvam, é só alguém sem a menor educação – pois não sei se avisaram, mas falta de educação e grossura não são apanágio do conservadorismo, beleza? São apenas provas da sua tosquice. 

Quédizê, não tente se alinhar ao conservadorismo, puro e duro; você já está alinhado(a) – mesmo que não saiba – com a turba enfurecida que caça e mata suspeitos de bruxaria no meio da rua, no século XXI. Sua ação se dá em outros espaços, mas seu cérebro e suas capacidades são exatamente as mesmas.

Bonnus track vergonha alheia: a volta dos adesivos “o sul é o meu país”, orgulhosamente colados nas traseiras dos carros. Sério: vergonha, mas muita vergonha alheia.






    

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Personal Jesus na Bretanha: escolha o seu

A Bretanha (la Bretagne) é uma região no oeste da França, na beira do Atlântico. É linda, mas tem graaandes períodos de céu cinza, chuvas passageiras, verão com 16°. Tem cidra de verdade, que é um álcool de maçã, casas de pedra escura, vaquinhas que parecem publicidade do Milka, menires e um catolicismo que resiste. 

Não raro, se vê um Jesus crucificado num cruzamento de ruelas no interior da região. Neste momento, estou pertinho deste:

Meda. Logo ao lado, um lugar chamado Le loup pendu (o lobo enforcado). Mas a região é linda. A gente releva as tradições, pois as atualizações valem a pena. Por exemplo, na mesma Bretanha, alguns quilômetros adiante (Vannes):




quarta-feira, 8 de junho de 2016

Juízes na “república de Curitiba” - uma balança capenga

Desde que Lula citou a infeliz expressão “república de Curitiba”, os ânimos bairristas se assanharam mais do que em dia de festival folclórico, quando se mostra que somos (nós, curitibanos) originários da Europa... A-hã. E aí, mistura-se aquela vontade de protagonizar a lemas evocando uma superioridade moral e maior capacidade de trabalho. Boa coisa não dá. Mas não dá meeeeesmo.

Tirando o fato de que o juiz Moro aí do desenhinho ficou a cara de um profe meu da facul, sobra a eterna busca por uma identidade local, que teria um caráter diferente daquele do restante do país. Afinal, só nós trabalhamos, só nós temos horror a corrupção, só nós fomos feitos de outro barro. Logo, da república de Curitiba, só receberíamos lisura e a justiça mais afiada, aquela que jamais se curva à malemolência da corrupção e do compadrio – “coisas que só ocorrem de São Paulo para cima” (frase que eu cresci ouvindo). É óbvio-pululante que nem todo mundo pensa assim naquelas plagas, mas é fato que os adeptos desse bairrismo são barulhentos e espalhafatosos.  

Porém, há vistas grossas de ufanistas quando o assunto não convém. Por exemplo, quando se refere a atos do mais puro coronelismo corporativo, vindos das idolatradas instâncias jurídicas da terra dos pinheirais:

O jornal em questão não é periódico disquerda, longe disso. Tradicionalíssimos, seus editoriais beiram o reacionarismo. Mas aí não vale, né? Fingimos que não vemos o enrosco e quem sabe ele deixa de existir...

E falando nisso, curso de extensão aí, moçada! Será que ensinam o passo-a-passo?



Grandes herois nacionais: o “japonês da Federal”


Só queria saber de que vai se fantasiar no próximo carnaval a moçada-batedora-de-panela, educação-moral-e-cívica, revoltadões-on-line...