sábado, 29 de dezembro de 2018

Sobre sorte, segurança & Strasbourg


 
Mercado de natal reaberto em Strasbourg, França, dia 14 de dezembro de 2018. 


Três dias antes, bem ali, um sujeito matou 4 pessoas e feriu 13, a tiros. Até então, parecia que a cidade estava sitiada, pois o homem tinha fugido, exército e polícias faziam patrulhamento e revistavam pessoas. O mercado, ao pé da catedral, fechou. É a principal atração da cidade no natal, que enche de turistas de tudo o que é parte. Pessoas desistiram da viagem, com medo.

 
Como sempre, muitas especulações, explicações e reações. Um braço do “Estado” Islâmico reivindicou a ação do atirador francês; pessoas declararam ter ouvido allah akbar durante o crime – francamente, qualquer movimento maluco-fundamentalista, seja islâmico, cristão, bramanista, o que for, reivindica o que quer que possa ser midiático, né? Teve também quem atolou o pé na teoria da conspiração, para concluir que o ataque fora planejado para tirar a atenção do movimento dos “coletes amarelos” (les gilets jaunes)!!! Como o assassino conseguiu fugir, também imaginou-se que ele estivesse na Alemanha àquelas alturas.

Adesivos do Plan Vigipirate (militar, contra o terrorismo) alertavam sobre mais riscos de atentado. Por toda a cidade, check points, controle, abre casaco, abre mochila, desce da bicicleta. Se você tem uma cara confiável (branca), passa; sério, depois de um atentado, é assim que funciona.



Enfim, coisas que fazem você se perguntar para que serve todo o aparato, se o ataque já foi cometido? Além disso, um criminoso desse tipo vai conseguir furar qualquer vigilância. Age quando tudo parece tranquilo, quando a guarda está baixa. Não precisa mais desviar aviões, explodi-los contra prédios. Uma caminhada solitária na própria cidade também fornece vítimas. E repercussão midiática. E medo. 


No fim das contas, depois do crime, o homem permaneceu em Strasbourg, por dois dias. Denunciado, andava pela rua, armado, quando a polícia chegou até ele e o abateu (termos da imprensa francesa). Estava ali, o tempo todo. Talvez atacasse novamente, não se sabe. O aparato de segurança conseguiria detê-lo? Vá saber.

 

Mesmo antes da notícia da morte do sujeito, a cidade decidira voltar a viver, até porque os prejuízos já tinham sido altos. Não só para as lojas fru-fru, mas para pequenos restaurantes, barraquinhas no mercado, todo mundo que vive do turismo, principalmente no final do ano. Um rapaz disse numa entrevista que detesta o final do ano e todos os turistas que enchem a cidade, mas que detestou mais ainda ver tudo vazio, silencioso e fechado. Nos lugares em que as pessoas foram atacadas, colocaram flores e acenderam velas.


Naquele dia, saímos do mercado quando frio pegou mais pesado. Vimos pela TV que o presidente acabava de chegar à cidade, para fazer uma homenagem às vítimas do atirador. O aparato era gigante. Sozinho, isolado por um cordão de militares e iluminado por muitos holofotes, Macron depositou uma flor na praça Kleber (aí em cima), um dos locais com velas e flores.

Um pouco antes de sair da cidade, vi uma matéria sobre uma das vítimas: era um turista indonésio, que viajava com a família. Eles iriam a Paris, mas com receio da violência das manifestações na capital, ele mudou o roteiro para Strasbourg...


Além do privilégio enorme que é poder viajar, eu e Consorte concluímos que, até agora, temos é sorte. Em 2009, uma semana antes do acidente com avião da Air France que caiu no Atlântico, tínhamos voado no mesmo aparelho. Agora em dezembro, chegamos na França no meio de manifestações com repressão feia, bem feia; viajamos para uma cidade se recuperando de um ataque, que acontecera 3 dias antes. Saímos do mercado de natal meia hora antes de Macron chegar. Quando você escolhe os dias para viajar, não tem ideia do que vem pela frente. E nem do que vai conseguir evitar. Como no dia a dia.