sábado, 29 de dezembro de 2018

Sobre sorte, segurança & Strasbourg


 
Mercado de natal reaberto em Strasbourg, França, dia 14 de dezembro de 2018. 


Três dias antes, bem ali, um sujeito matou 4 pessoas e feriu 13, a tiros. Até então, parecia que a cidade estava sitiada, pois o homem tinha fugido, exército e polícias faziam patrulhamento e revistavam pessoas. O mercado, ao pé da catedral, fechou. É a principal atração da cidade no natal, que enche de turistas de tudo o que é parte. Pessoas desistiram da viagem, com medo.

 
Como sempre, muitas especulações, explicações e reações. Um braço do “Estado” Islâmico reivindicou a ação do atirador francês; pessoas declararam ter ouvido allah akbar durante o crime – francamente, qualquer movimento maluco-fundamentalista, seja islâmico, cristão, bramanista, o que for, reivindica o que quer que possa ser midiático, né? Teve também quem atolou o pé na teoria da conspiração, para concluir que o ataque fora planejado para tirar a atenção do movimento dos “coletes amarelos” (les gilets jaunes)!!! Como o assassino conseguiu fugir, também imaginou-se que ele estivesse na Alemanha àquelas alturas.

Adesivos do Plan Vigipirate (militar, contra o terrorismo) alertavam sobre mais riscos de atentado. Por toda a cidade, check points, controle, abre casaco, abre mochila, desce da bicicleta. Se você tem uma cara confiável (branca), passa; sério, depois de um atentado, é assim que funciona.



Enfim, coisas que fazem você se perguntar para que serve todo o aparato, se o ataque já foi cometido? Além disso, um criminoso desse tipo vai conseguir furar qualquer vigilância. Age quando tudo parece tranquilo, quando a guarda está baixa. Não precisa mais desviar aviões, explodi-los contra prédios. Uma caminhada solitária na própria cidade também fornece vítimas. E repercussão midiática. E medo. 


No fim das contas, depois do crime, o homem permaneceu em Strasbourg, por dois dias. Denunciado, andava pela rua, armado, quando a polícia chegou até ele e o abateu (termos da imprensa francesa). Estava ali, o tempo todo. Talvez atacasse novamente, não se sabe. O aparato de segurança conseguiria detê-lo? Vá saber.

 

Mesmo antes da notícia da morte do sujeito, a cidade decidira voltar a viver, até porque os prejuízos já tinham sido altos. Não só para as lojas fru-fru, mas para pequenos restaurantes, barraquinhas no mercado, todo mundo que vive do turismo, principalmente no final do ano. Um rapaz disse numa entrevista que detesta o final do ano e todos os turistas que enchem a cidade, mas que detestou mais ainda ver tudo vazio, silencioso e fechado. Nos lugares em que as pessoas foram atacadas, colocaram flores e acenderam velas.


Naquele dia, saímos do mercado quando frio pegou mais pesado. Vimos pela TV que o presidente acabava de chegar à cidade, para fazer uma homenagem às vítimas do atirador. O aparato era gigante. Sozinho, isolado por um cordão de militares e iluminado por muitos holofotes, Macron depositou uma flor na praça Kleber (aí em cima), um dos locais com velas e flores.

Um pouco antes de sair da cidade, vi uma matéria sobre uma das vítimas: era um turista indonésio, que viajava com a família. Eles iriam a Paris, mas com receio da violência das manifestações na capital, ele mudou o roteiro para Strasbourg...


Além do privilégio enorme que é poder viajar, eu e Consorte concluímos que, até agora, temos é sorte. Em 2009, uma semana antes do acidente com avião da Air France que caiu no Atlântico, tínhamos voado no mesmo aparelho. Agora em dezembro, chegamos na França no meio de manifestações com repressão feia, bem feia; viajamos para uma cidade se recuperando de um ataque, que acontecera 3 dias antes. Saímos do mercado de natal meia hora antes de Macron chegar. Quando você escolhe os dias para viajar, não tem ideia do que vem pela frente. E nem do que vai conseguir evitar. Como no dia a dia.


sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Medíocres do além & seus celulares ativos

Escuto muito, neste momento, que é bobagem discutir com reacionários, que não vale a pena etc e tal. Concordo. Mas há momentos nos quais você tenta fugir, não consegue e é obrigada a explicar o óbvio, a lembrar do mundo concreto em volta e buscar um fiapo de inteligência para dialogar. E não naquela perspectiva super condescendente, do tipo “deixa que eu te explico, afinal sou doutora / homem / mais inteligente / mais qualificado /especialista / besta pra carai”.

Falo de situações que você recusa porque não crê que a Terra seja plana, que “ideologia de gênero” e kitiguêi existam. Falo de não aceitar explicações irreais e surreais sobre a “lei ruaney” (sic, ou melhor, sick), sobre as universidades federais como antro de doutrinação (qual?), sobre torturador de mulheres grávidas ser considerado herói nacional, sobre o aquecimento global ser opinião de esquerdista ou sobre o método-paulo-freire (que também não existe) estar incrustado na escola pública.

São tacanhices atiradas na sua cara enquanto se exige respeito a elas. E não em guetos específicos que se evitam, mas no todo-dia, no trabalho, no busão, vindas do chefe, de colegas, da família. E agora, na rua, de pessoas-de-bem aleatórias, trabalhadas no combo celular filmando + mediocridade. Medo.


 
😱

Bonus-track: esta pessoa-de-bem aí embaixo é exemplar. A dissociação total entre o que se passa no mundo concreto que ela registra e o que ela consegue enxergar é impressionante. Vê-se a criatura reagir à deformação criada por seu cérebro carente de sinapses (ainda tô na dúvida se não é humorista...)


💀

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Republicando

Proclamação da República. Até anos atrás, andava quase esquecida, comemoração protocolar. O refrão Liberdade, abre as asas sobre nós de seu hino só é lembrado por ter sido usado no samba enredo da Imperatriz Leopoldinense em 1989 (ou para quem tinha aula de canto orfeônico no Instituto de Educação, caso dessa que vos escreve). 

Mas como retroceder pouco é bobagem, uma legião de zumbis, saída das aulas de educação-moral-e-cívica, tomou conta do “debate republicano” em duas frentes.

De um lado, a patriotada verde-amarela, na esteira da eleição do Bolsonaro. Um povo que já se empertiga só para pronunciar “juiz-Moro”, “a família é a célula-mater da sociedade” ou “gostaria de parabenizar” (patrioteiro bolsomico gosta de parabenizar). Para estes, a república verdadeira começará no dia da posse de seu presidente e é descrita de forma difusa, como paisagem bíblica liberta do comunismo, das feministas, dos viados e de qualquer política pública. Um território de merecimento, apoio divino e enriquecimento individual como resultado dos esforços próprios. O que poderia dar errado, não é mesmo? 

E de outro, moçada trabalhada numa monarquia meio Sissi, a imperatriz, imaginando para si títulos nobiliárquicos, condados de novela e o combo libré/escravaria a servi-los. Tem gente já encomendando a espineta (em 10 vezes no cartão) e considerando aulas de francês. 

Em comum nos dois grupos, cochilos na aula de história, só pode. Ou ainda, professor de história reaça, “dizendo verdades” porque não tem “medo de ninguém” – existem às pencas, creiam-me, e não são considerados doutrinadores. Ora que irônico... 

Seja como for, pra mim, nossa república é uma estátua equestre, cagada de pombo.

 Imagem relacionada

sábado, 10 de novembro de 2018

Imprensa catarinense: "neutra, despolitizada" (e reaça com gosto)

 




Verão chegando, férias... Pense onde você vai gastar o seu dinheiro, em que comércios, hoteis, restaurantes. O Nordeste tem locais lindos!
 

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Ame-o ou deixe-o (o último que sair apaga a luz do aeroporto)

Nos anos 90, fazendo história na UFPR, analisamos slogans do período da ditadura em uma das disciplinas. A profe nos contava que respondiam ao Brasil: Ame-o ou Deixe-o com O último que sair apaga a luz do aeroporto. Para nós, estudantes, aquilo soava distante, 20 anos atrás. Na mesma época, durante o governo Collor, circularam uns adesivos Brasil: ame-o, e a moçada ria da falta de alternativas que os slogans colloridos apresentavam.

Parecia tudo tão distante. 

Pois século XXI chegou e... estamos de volta a 1973! Ao menos para os gênios de marketing do SBT que, visando verbas federais, correram a desenterrar da lama algo que agradasse Biroliro e sua malta. Lascaram logo um Ame-o ou deixe-o, sem a menor vergonha na cara trabalhada em produtos Jequity.



Quando eu digo que vai rolar abaixo-assinado pela volta de Amaral Netto, o Repórter, moçada ri da minha cara. Taí. Não assisto à TV com frequência, e agora, menos ainda. Tenho medo que o Sujismundo esteja de volta...  
🙉

...que me obriguem a cantar isso (como obrigaram as crianças, 40 anos atrás) ...🙊



... a fazer rodar esse maldito catavento, cantando já-podeis-da-pátria-oh-filhos...


... ou ainda, dar de cara com o general Geisel em pronunciamento oficiallllll. Socorro.




Sério, se é pra voltar aos anos 70, que seja assim



sexta-feira, 26 de outubro de 2018

A violência em marcha não vai perguntar de que família você é

Milhares vivem essa história aí embaixo há séculos, por causa da pele, da classe social. Tipo de violência que parece não incomodar, 'não é comigo'.. Mas ela sempre pode se expandir e atingir os que estão próximos. Pois a violência uma vez em marcha não para pra perguntar de que família você é, que igreja você frequenta, em quem você votou. A violência uma vez em marcha transborda, afoga muitos e respinga em todos, pois o que aparentar (somente aparentar) 'suspeito', 'desviante', 'divergente' será atacado. A violência em marcha é paranoica, ignorante, bruta. Tudo pode ser considerado ameaça. Nunca existe 'quem não deve não teme', pois qualquer um passa a ser devedor. Pela cor da pele, gênero, orientação, classe social, mas também porque algum mastodonte não gostou do seu jeito de falar, andar; porque algum medíocre não gostou da suas reflexões. Não estou dizendo isso por ser exagerada nem vitimista. Digo isso como historiadora. Identificar contextos como o atual vai muito além do 'acho que'. Não é só uma opinião.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O maior delírio hoje no Brasil é o da “normalidade” (Eliane Brum)



“Distopia simulada”. Esta foi a expressão usada por Luis Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal Eleitoral, para justificar a proibição do programa de Fernando Haddad em que era mostrada a apologia de Jair Bolsonaro à tortura e aos torturadores. O programa de Haddad, ao mostrar o que Bolsonaro diz e faz, nas palavras do ministro, “pode criar, na opinião pública, estados passionais com potencial para incitar comportamentos violentos”. A questão, para o ministro, não é o que Bolsonaro diz e faz, mas que as pessoas possam escutar o que ele diz e ver o que ele faz. E se posicionar a partir do que ele efetivamente diz e faz. Ou seja, se posicionar a partir da realidade dos fatos.

O problema do ministro é que o eleitor possa pensar algo lógico como: “Não posso votar num homem que defende a tortura e tem como herói um torturador que colocava fios desencapados na vagina das mulheres e depois chamava seus filhos pequenos para ver a mãe nua, urinada e vomitada”. Não, o ministro entendeu que precisava vetar a realidade factual para que o eleitor, ao conhecer os fatos, não tenha a estranha reação de pensar sobre eles.

 O risco da violência, para o ministro, estaria naqueles que sentem medo, não nos que provocam medo. Pensar que o Brasil quase certamente vai eleger um homem que defende a tortura e tem como herói Carlos Alberto Brilhante Ustra poderia assustar a população. E o ministro acha que não há motivo para a população se assustar.

Vale a autoverdade do ministro, o que ele escolheu que é real e o que ele escolheu que é “simulado”. A verdade, assim como a realidade, tornou-se uma escolha pessoal.

Estamos ferrados. Não apenas porque um ministro do TSE diz que é simulado aquilo que é real, mas porque este tem sido o comportamento de uma grande parcela das instituições e também da imprensa. Simula-se no Brasil que a distopia não é real. E se faz isso simulando que esta é uma eleição “normal”, uma eleição entre dois projetos distintos, mas igualmente legítimos.

Não é.

Esta é uma eleição em que um candidato, Fernando Haddad, por mais ressalvas que se possa ter a ele e ao seu partido, tem um projeto democrático, e o outro candidato, Jair Bolsonaro, nega a democracia.
É estranho disputar uma eleição e ao mesmo tempo negar a democracia? É estranho. Esta é uma das contradições da democracia, e ela se expressou diversas vezes ao longo da história e se expressa com muita força nos dias atuais, com exemplos como Rodrigo Duterte, nas Filipinas, e Recep Tayyip Erdogan, na Turquia.

No Brasil, uma grande parcela daqueles que deveriam servir de referência, tanto instituições como indivíduos, por várias razões não têm se mostrado à altura do momento de extrema gravidade vivido pelo Brasil. Outros preferem não se arriscar à fúria dos apoiadores de Bolsonaro hoje, à perseguição do homem que terá toda a máquina do Estado em suas mãos amanhã. Só o farão quando for impossível não fazê-lo, e com o menor custo possível.

Isso significa que você, nós, estamos por nossa própria conta neste momento. Por conta das alianças que conseguirmos fazer para resistir ao que virá e seguir a luta pela democracia. Bolsonaro já disse, no último domingo, que aqueles que não vivem segundo seus preceitos, “vão pra fora (do Brasil) ou vão pra cadeia”. Exatamente o que aconteceu na ditadura civil-militar (1964-1985) que ele tanto exalta.

Bolsonaro chama gente como eu e você, que lutamos pelos direitos humanos, pela igualdade e pelo meio ambiente, de “comunistas”. Como as palavras se esvaziaram de sentido no Brasil, qualquer coisa, até o meu abajur, pode ser chamada de “comunista”. O comunismo, que não tem mais nenhuma relevância no mundo, só sobrevive na boca de gente como Bolsonaro.

Mas, assim como o ministro pode dizer o que é real e o que é simulado, Bolsonaro também pode dizer que eu e você somos “comunistas”. Quem tem o poder e terá o aparato de repressão na mão poderá também dizer o que somos eu e você. A verdade, num governo autoritário, passa a ser a daquele que tem a arma na mão e o pau de arara no porão para impô-la. E, então, como Bolsonaro já anunciou no último domingo: “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. E acrescentou: “Será uma limpeza nunca vista no Brasil”.
Esta é a candidatura que tem sido tratada como opção democrática —e a eleição que tem sido tratada como “normal”.

É a história se repetindo? É. E também não é.

Porque é a história se repetindo sem precisar botar os tanques na rua, é a história se repetindo pelo voto da maioria dos eleitores brasileiros. E, sim, é preciso dizer, pela omissão daqueles que votam nulo, branco ou se abstêm de votar. Assim, é a história se repetindo de um jeito muito pior.

Quero dizer claramente que, sim, é preciso ter muito medo. É mentalmente saudável ter medo quando um homem como Bolsonaro quase certamente terá o poder no Brasil. A única coisa que está sendo simulada, neste momento, pela maior parte das instituições e da imprensa, é a normalidade. Não há nada de normalidade democrática no que estamos vivendo. Nada. Bolsonaro não é um democrata. Não é preciso que eu ou outros tantos digam mais uma vez quem ele é. Ele mesmo diz. O tempo todo. Basta que você escute.

Além do delírio coletivo da normalidade, também é enlouquecedora a frase recorrente de alguns: “Ah, mas ele não vai fazer isso”. E o “isso” são todas as atrocidades que ele vem proferindo há anos e também nesta campanha. Todas as atrocidades que ele disse no último domingo. Por que Bolsonaro não faria o que diz que fará e não seria o que é? Há alguma razão lógica para isso? Há algum fragmento de sentido em duvidar do que ele já avisou que fará, como essa “faxina” no país, tratando uma parte da população como lixo que deverá ir para o exílio ou será presa?

Entre os tantos absurdos que Bolsonaro falou no último domingo, está o seguinte: “O Brasil será respeitado lá fora. O Brasil não será mais motivo de chacota junto ao mundo”. Bolsonaro delira porque sabe que pode delirar à vontade. Ele sabe que pode criar sua própria verdade.

A imprensa internacional trata Bolsonaro como o horror que ele efetivamente é. O Brasil se tornou o espanto do mundo. Em qualquer país onde se vá as pessoas perguntam como os brasileiros são capazes de eleger um homem como Bolsonaro. Nos tornamos uma vergonha planetária. E, se alguém acha que a crise econômica vai ser resolvida por um homem com as credenciais de Bolsonaro, não está prestando atenção nos sinais. Bolsonaro é um constrangimento de proporções continentais.

Não é de hoje que o Brasil parece viver em permanente delírio. Mas, neste momento, o delírio alcançou uma dimensão sem precedentes. Pessoas afirmando e escrevendo que não há risco de um governo autoritário? Colunistas dizendo que as instituições no Brasil são fortes e que o sistema de pesos e contrapesos vai funcionar? Em que país essas pessoas vivem?

Não no meu ou no seu. Não no país em que Bolsonaro faz apologia à tortura e aos torturadores, que diz que vai prender, expulsar e “limpar”, e nenhuma instituição o impede. Não no país em que Marielle Franco foi assassinada e onde nenhuma instituição tem força suficiente para nomear os assassinos e mandantes e julgá-los. Não no país em que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, já se submete aos militares por vontade própria, ao fraudar a história dizendo que a ditadura não foi ditadura, mas um “movimento”.

A vida do país não se passa em salas protegidas. Apenas a probabilidade de Bolsonaro se eleger já faz vítimas pelo Brasil. Negros, mulheres, LGBTQ. As minorias, que Bolsonaro diz que tem que se “se curvar às maiorias ou desaparecer”, têm sido ameaçadas nos espaços públicos. “Você vai ver depois do dia 28” se vai poder andar assim, se vestir assim, ser assim... é o tom das ameaças verbais, quando elas não se tornam também físicas. Há muita gente, neste momento, sem saber como colocar seu corpo nas ruas do Brasil depois de uma vitória de Bolsonaro. Com medo. Saudavelmente com medo.

Na Amazônia, onde tudo acontece primeiro, a violência recrudesceu. Carros dos fiscais do IBAMA foram queimados, e a ponte da única estrada de acesso por onde funcionários do ICMBio passariam, durante uma ação de combate ao desmatamento, foi incendiada. A violência contra os órgãos governamentais ecoa a declaração de Bolsonaro de que acabaria com “a indústria de multas”. “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil. Vamos tirar o Estado do cangote de quem produz”, prometeu, referindo-se aos órgãos que protegem o meio ambiente. Intimamente ligado à bancada ruralista, Bolsonaro já deixou claro que quer abrir a Amazônia, incluindo as áreas protegidas, para a soja, o boi e a mineração. Ele tem ainda uma rixa particular com o Ibama, porque foi multado pescando em área proibida, dentro de uma unidade de conservação. E nunca pagou a multa aos cofres públicos.

Não existe risco de horror? O horror já se infiltrou nos ossos do Brasil. Já estamos vivendo sob o horror, exatamente porque as instituições são fracas, as autoridades incapazes e a parcela supostamente mais esclarecida das elites têm preferido acreditar num delírio de normalidade.

Não é que vai acontecer. Ou que pode acontecer. Já está acontecendo.

A reação da maioria dos candidatos derrotados no primeiro turno é mais uma mostra da fragilidade da democracia brasileira. Ciro Gomes, Marina Silva e Geraldo Alckmin envergonharam a si mesmos e traíram a confiança de seus eleitores. Apoiar o único projeto democrático do segundo turno deveria ser imperativo ético, não opção. Como políticos e cidadãos, deveriam estar fazendo campanha desde o dia seguinte ao primeiro turno, lado a lado. Mágoas, disputas, cálculos, tudo isso deveria estar adiado diante do risco de Bolsonaro ser eleito no domingo.

Os principais políticos do país, que poderiam e deveriam mostrar grandeza, se revelaram tragicamente aquém do momento histórico. Fernando Henrique Cardoso despencou da própria biografia. O Brasil descobriu-se à beira do abismo sem um único estadista. Não há nem mesmo um político de expressão capaz de botar as necessidades do país acima das suas. Parecem todos adultos infantilizados, fantasiando seu rancor e suas picuinhas com palavras sofisticadas.

O Brasil está vivendo um dos mais graves momentos da sua história. Jair Bolsonaro é tudo que sabemos que ele é e também um homem incapaz de se controlar. Este homem que não se controla quase certamente estará no comando do país. Jair Bolsonaro não consegue se controlar e fingir ser um democrata nem mesmo na confortável posição de liderar as pesquisas. É fácil imaginar o que fará com poder presidencial. O próximo presidente poderá ser um descontrolado cheio de ódio num país já devastado por várias crises. Jair Bolsonaro será o valentão da escola com um exército e todo o aparato de repressão, em especial as PMs dos estados, cultuando-o como um “mito”.

Há algo que o Brasil já perdeu. E que vai custar muito para recuperar. Com Bolsonaro ou sem Bolsonaro, descobrimos que vivemos num país em que a maioria dos brasileiros acha possível votar num homem como Bolsonaro. Sem nenhum drama de consciência, compactuam com todo o ódio que ele produz, são cúmplices do desejo de exterminar aqueles que são diferentes, apreciam as ameaças e os arrotos de poder, exaltam a ignorância e a brutalidade.

É pelo que o Brasil já perdeu que a gravidade deste momento talvez seja maior do que a que se desenhava no golpe de 1964 e, com o AI-5, em 1968. Desta vez, há um apoio explícito de uma parcela significativa dos brasileiros ao projeto autoritário. Um apoio explícito pelo voto. Uma parcela dos seguidores de Bolsonaro já decidiu agradar ao “mito” perpetrando a violência nas ruas. Claramente estimulados e incitados pelos seus discursos de ódio e de expulsão de uma parcela da população, na qual estamos eu e talvez você, decidiram eles mesmos arrebentar e oprimir. Assim, desta vez, a violência pode vir de qualquer lugar. Até mesmo do vizinho.

Há algo que o Brasil já perdeu. Mas a eleição ainda não está totalmente perdida.

Quem acompanha meus artigos de opinião sabe o quanto sou crítica ao governo do PT. Critico o PT desde antes de a maioria criticar o PT. Sem deixar de reconhecer os acertos, critico o PT por várias razões e porque cubro, como repórter, o processo da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, um crime que manchará para sempre as biografias de Lula e de Dilma Rousseff. E que seguirei documentando. Posso afirmar que fiz algumas das mais duras críticas ao partido, a Lula e à Dilma Rousseff, críticas que considero justas e baseadas em fatos checados e apurados. Tudo o que escrevi nos últimos anos está na internet para quem quiser ler.

Para mim não é fácil votar no PT. Para mim também não é fácil expor o meu voto. É a primeira vez que eu o faço publicamente. E o faço porque compreendo a gravidade deste momento histórico. Faço porque entendo que este não é um voto para um candidato ou para um partido. Mas sim um voto contra a opressão, um voto em defesa de tudo aquilo pelo qual lutei a minha vida inteira, um voto em defesa de todos os princípios que fizeram de mim uma jornalista.

Em momentos-limite como o que vivemos, cada um de nós precisa fazer escolhas difíceis, escolhas em que sempre se perde muito. Nasci e cresci na ditadura que Bolsonaro exalta e iniciei no jornalismo já com a retomada da democracia. Sempre me perguntei se eu seria capaz de sustentar os meus princípios, a despeito de todos os riscos, caso o país pudesse, mais uma vez, ser oprimido por um regime de exceção. Fazia isso como um exercício mental, mas nunca supus que chegaríamos a este ponto novamente, e com ainda mais gravidade. Acredito que o fato de ter conquistado uma voz durante 30 anos de jornalismo me confere uma responsabilidade. E espero estar à altura desta responsabilidade.

Quem acompanha esta coluna de opinião sabe também que eu costumo defender que votar em branco, anular o voto ou se abster é posição. Acredito que o “voto útil” ou o “voto crítico” também nos trouxe até este momento dramático. Sigo acreditando que anular o voto, votar em branco ou não votar é posição política legítima quando se trata de dois projetos dentro da democracia.

Mas tenho convicção de que, neste momento, quando o que está em jogo é a própria democracia, porque o projeto de Jair Bolsonaro nega os fundamentos democráticos, votar em branco, anular o voto ou não votar está fora do campo das possibilidades. Votar em branco, anular o voto ou deixar de votar não é posição neste momento, mas omissão. E omissão é um tipo de ação. Neste momento, o pior tipo de ação possível.

Não tenho mais o que dizer a alguém que vota num homem que faz apologia à tortura e aos torturadores, que incita o ódio e que quer acabar com uma parte da população brasileira. Minhas palavras nunca chegarão àqueles que acham possível ter um presidente como Jair Bolsonaro. Mas talvez minhas palavras possam chegar àqueles que odeiam o PT. E possam compreender, como eu mesma precisei compreender, que este não é um voto no PT. E que este voto, mesmo não sendo no candidato e no partido que desejaríamos, seja talvez o voto mais importante desde que recuperamos o direito de votar. É um voto pelos princípios da humanidade, é um voto pela vida dos mais frágeis, é um voto por seguir existindo neste país.

Eu aprendo com as pessoas que escuto. E escolhi escutar como repórter as pessoas mais frágeis. E também as pessoas mais frágeis que resistem. Se para mim era extremamente difícil votar no PT, e não votei no PT no primeiro turno, como seria para aqueles que tiveram a vida destruída pela política do PT para a Amazônia?

Perguntei então a três ribeirinhos do Xingu que foram expulsos por Belo Monte como votariam e como se sentiam a respeito do seu voto. Os três tiveram suas ilhas ou terras afogadas, dois deles adoeceram seriamente, um deles teve a casa queimada com tudo dentro, outro não conseguiu nem mesmo impedir que os ossos do pai fossem submersos e para sempre desaparecidos, todos perderam a vida que conheciam e amavam, assim como a própria possibilidade de sobrevivência. De homens e mulheres da floresta se tornaram pobres urbanos em uma das cidades mais violentas do Brasil. Tornaram-se refugiados em seu próprio país, destituídos de tudo, até mesmo da própria identidade.

Os três me disseram, sem hesitação, que votariam contra Bolsonaro. Eles compreendem que algo maior que a sua própria vida está em jogo. Se estas pessoas, que perderam tudo por uma obra de Lula e de Dilma, são capazes de compreender o momento histórico vivido pelo Brasil e superar todo o seu sofrimento e sua justa revolta para fazer o que é certo, entendo que eu também posso. E acredito que você também.

É de um deles a frase que me inspira:
— Eu vou votar no PT para que resolvam a merda que fizeram!

Cinematógrapho


terça-feira, 23 de outubro de 2018

Dando o prefixo e saindo do ar

Bozonazi concede entrevista monólogo à rádio Guaíba, desde que só fale com apresentador e que ninguém faça perguntas. Juremir Machado se demite no ar. Os outros participantes ficam se justificando, contemporizando, "não poderíamos ter feito diferente", "ele impôs essa condição, o que é que a gente pode fazer?", "eu preciso do meu emprego, né?", "claro, tu tem toda razão". Tá. Gente frouxa define.



Gente frouxa e transtorno obsessivo compulsivo

Recortes de jornal essenciais do dia. Não está tudo bem.



segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Tem dias que a gente se sente...

Me identificando integralmente...



Atenção! Contém análise inteligente e reflexões necessárias

Não, não vai continuar “tudo igual”

Não, não vai continuar “tudo bem”.







 










 




 





 🙈

E aquele momento para as notas locais, afinal, é nóis liderando o atraso, com direito ao maior jornal do estado publicando (mais) lixo. Por exemplo, o “principal nome do jornalismo catarinense” (sic, risos) e suas chamadas idôneas e imparciais (sqn)
O

O “principal nome” também espalha fêiquinius, pois vale tudo em sua cruzada pela moral, ordem, bons costumes e a toalhinha de crochê sobre o televisor 


A contragosto, teve que desmentir (mesmo que dando trucão no título)



E de bônus, momentos do brilhantismo intelectual dos bozinhos – que não são 1 ou 2. Tem que precise esgrimir vários desses, ao vivo e em cores, por dia. É muito cansativo. 


 🌊☁🔥🌀
E agora, a previsão do tempo: