quinta-feira, 31 de maio de 2018

Panelagem ungida

 
Deus então disse, “Vai, Michel, e fala com o povo eleit...”. Nááá, mentira, pois se deus existisse dava é na cara de Temer. Mas o fato é que aquele-que-usurpa-a-cadeira-da-presidência participou hoje de um evento na igreja pentecostal Assembleia de Deus. Lá, pastor disse que, acima de Temer, só deus e a nação. Os presentes, incluindo deputados e senadores da bancada evangélica, aplaudiram. Muito, segundo O Globo.



Ele pediu que os pastores levassem sua mensagem a “todos os rincões”, num verdadeiro palanque-fala-que-eu-te-escuto-eleitoral.


A coisa anda tão absurda, que não sei nem por onde começar... Só sei que, com um “povo de bem” desses, é mais jogo ir dar abraço no capeta...





domingo, 27 de maio de 2018

Brasil em pane é o retrato do governo Temer (L. Sakamoto)



Cada vez que o governo federal vem a público para dizer que a greve é uma orquestração de donos de transportadora, como fez Carlos Marun, ministro-chefe da Secretaria de Governo, mais os caminhoneiros autônomos ficam com raiva de Michel Temer. E o governo parece que gosta de dizer isso, num ato contínuo de sadomasoquismo político. 

A incapacidade desse governo em entender a complexidade da situação ajudou a criar algo que possa já estar além do seu controle. Como venho dizendo neste blog, há uma insatisfação legítima de um grupo profissional que viu não apenas sua renda ser corroída pelos constantes aumentos no preços dos combustíveis, mas também a vida transformada em caos devido à imprevisibilidade de quando ocorrem os repasses. Claro que empresas de frete parasitam o movimento em nome de seus interesses e devem ser punidas. Mas esse não é, nem de perto, o cerne da questão. E a partir do momento em que uma grande parte da categoria não se vê representada pelo acordo firmado com o Palácio do Planalto e segue parada, a ficha do governo deveria ter caído. Nessa hora, contudo, o presidente chama a "mãe" - o Exército - para adotar a força no lugar do diálogo, deturpando a função constitucional dessa instituição. 

Temer e seu grupo político do MDB chegaram ao poder com a benção de grandes empresas e do mercado, de um lado, e da velha política, de outro. Ao primeiro grupo, prometeu tirar o país da crise sem jogar a conta da conta dos mais ricos e aplicar reformas liberalizantes que reduziriam o tamanho do crescente Estado de bem-estar social em prol do PIB. Ao segundo, prometeu sobrevivência diante da Lava Jato e um governo-amigo que mudaria proteções sociais e ambientais para facilitar a vida de seus representados, fazendo com que voltássemos 20 anos em dois. 

A reação do governo Temer diante da greve dos caminhoneiros deve ser entendida no contexto da política que ele adotou em seu governo: pró-mercado, fiscalista e de restrição da proteção social. Analistas não entendem por que a população não acredita que o país melhorou, uma vez que os indicadores econômicos provariam isso. O povo, contudo, não "come" indicadores econômicos e o desemprego segue forte. O governo agravou a instabilidade social e, dois anos após seu início, o Brasil parou pela falta de combustível na bomba. A verdade é que a agenda do mercado, abraçada por Temer, é tosca e sem sutiliza para lidar com a política. Talvez por isso parte dele morra de amores por um candidato à Presidência tosco e sem sutileza. 

Não importa o que aconteça daqui em diante, fica uma lição: chamar algo por outro nome não muda a sua natureza. Shakespeare já dizia isso há 500 anos, mas parece que nossa elite política e econômica passou todo esse tempo lendo outra coisa.

👉 NA ÍNTEGRA

terça-feira, 22 de maio de 2018

O fêici em maio de 1964

Campeando pelas quebradas virtuais, topei com um jornal que existiu na minha terra, chamado Correio do Paraná. O exemplar em questão, que circulou em Curitiba no dia 9 de maio de 1964, custava 20 cruzeiros (“na capital”).




Na primeira página, um editorialzinho reforçava a importância de “caminhos livres à democracia e à ordem cristã”, pedindo uma colaboração do leitor para salvaguardar a democracia e anular “a ação nefasta dos comunistas”. Porque era só o que faltava, né? Comunistas prejudicando nosso Brasil varonil, de céu azul-anil. Parece que não respeitavam nada, esses lacaios de Moscou... Humpf!


Pra não deixar dúvidas, outro editorialzinho, mais para o meio da publicação, lembrava que caiu o “govêrno insensato e desleal que levava o Brasil para os caminhos da anarquia”. Não bastava serem comunistas, queriam anarquizar a quizumba ainda por cima. Se bobear, até a compota de figo seria banida!

😱


O senador João Calmon visitava Curitiba no período. E o Correio do Paraná estampou na capa a frase do governista, explicando que a revolução fora feita o golpe fora dado pensando-se nos trabalhadores. Aaaaah, bons tempos em que as “classes privilegiadas” chupavam o dedo, né?


🙈🙉🙊

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria passava por uma “limpeza”, pois, vocês não vão acreditar, mas tinha comunista lá saindo pelo ladrão! Até dinheiro pra Moscou parece que já tavam mandando! 


😈

O Correio do Paraná também noticiou que o jornalista Samuel Wainer, dono do jornal carioca A Última Hora, deixava o país rumo ao Chile. Também, né? Nascido na Bessarábia, vocês queria o quê? 

😬

E a “limpeza” continuava, pois onde menos se esperava, lá estavam os vermelhos. Até no Banco do Brasil!!!

💰👀
 
Na coluna Resenha Política, ficamos sabendo que dava pra doar ouro pra recuperar a economia do país. Você doava sua aliança, por exemplo, e ganhava um anel de metal com a inscrição Dei ouro para o bem do Brasil. Sério. Tava achando que era só uma # do Trator, né? Nã-nã. Moçada fez fila pra doar ouro aos milicos. Se autodenominavam “Legionários da Democracia”, marchavam com deus, a família e as toalhinhas de crochê em cima do rádio.

😵


Mas como nem só de notícias vivia um periódico impresso, os classificados davam conta das casas e terrenos à venda. Um Simca 1962 tava valendo na negociação.
🚗
E falando de carros estrangeiros, circulavam pelas ruas da capital paranaense (e das cidades brasileiras em geral) uma pá de marcas das décadas anteriores, de Citroën a Oldsmobile, passando por Skoda e Jaguar. Depois da “Gloriosa”, acabou essa festa.

Carro usado era (é) comércio garantido. E a publicidade usava frases de efeito pra reforçar a ideia.
 Tudo bem que hoje se anuncia “queima de estoque”, mas “grande queima de carros” me faz pensar em piromaníacos, não adianta...
🔥 🔥 🔥 
 Tirando carros, o hábito de comprar usados podia causar vergonha, pois denunciava a pindaíba. Se hoje comprar em brechó é tendance, nos anos 60, os comerciantes garantiam “discrição absoluta” aos seus clientes. Como esses, na Rua Riachuelo (na ativa ainda hoje).
 😎

Reclamações quanto a buracos nas ruas, falta de calçamento, ônibus e afins eram publicadas na coluna Curitiba Grita e depois comentadas no rádio.

📻

Falando em comunicação de massa, o Cine Ópera exibia O mundo dos vampiros, filme mexicano de 4 anos antes. Não importa, era tão “forte”, que não se recomendava a pessoas “sensíveis e nervosas”. Já no domingo, tinha o Festival Tom e Jerry – “sòmente desenhos do Rato e do Gato”, avisavam (certeza que tinha bocaberta perguntando sobre a Branca de Neve...).
😳

 E, claro, o horóscopo alertava o vivente sobre seu porvir (tratando objetos e a bicharada pelos nomes: caranguejo, carneiro, balança...). Dá pra usar o mesmo ainda hoje, vai aí, moçada!
💩

👉Por fim, só lembrando que “antes não era melhor”. 


terça-feira, 15 de maio de 2018

Revisão de texto – pontuação e informações equivocadas



Nada mais reacionário que um liberal brasileiro - 2



   👉Revista Cult

Uma das mais importantes inovações do pensamento moderno é a noção de história linear. Rompendo com a lógica presente na concepção de tempo greco-romana e mesmo medieval, o Iluminismo insiste que a história seria guiada por um devir se desenrolando como uma flecha ao longo do tempo.

Abrimos mão de uma visão mais intuitiva de circularidade, tal como presente na natureza, e passamos a aceitar a ideia de um aprimoramento linear e inelutável. Interessantemente, de forma irônica e talvez mesmo trágica, os desdobramentos recentes em nosso país parecem nos remeter mais à lógica histórica clássica do que à moderna, já que parecemos estar presos a uma circularidade que tende dolorosamente a se repetir a cada 50 anos, mais ou menos, pelo menos no que se refere à nossa experiência política.

De modo concreto, é quase impossível não vermos fortes reverberações dos acontecimentos de 1964 nos eventos envolvidos na atual crise em que vivemos, cujo início se coloca por volta de 2014. Foi então que, logo após do segundo turno da eleição presidencial, o candidato oposicionista Aécio Neves se recusou a aceitar sua derrota no pleito, apesar de ter concordado em participar do mesmo processo, em um gesto claramente golpista que lembra as palavras, também golpistas, de Carlos Lacerda, ao se referir a Vargas, dizendo que o último “não pode ser candidato. Se o for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar.”

Embora dita anos antes do golpe de 1964, a frase expressa nitidamente a lógica que passaria a guiar os auto-denominados liberais brasileiros, que por fim viriam a apoiar uma intervenção militar no país. Da mesma forma que seus antecessores nominalmente liberais, a partir da sua recusa em aceitar os resultados do processo de democrático, Aécio e seus aliados, que passam a boicotar o governo no Congresso, começariam a conclamar seus eleitores, fortemente representados nas classes médias urbanas, para que fossem às ruas demandar a renúncia da presidente democraticamente eleita, ou forçar, de alguma forma, casuística que fosse, sua remoção do posto, por meio de um processo de impeachment.

Os capítulos dessa história são bem conhecidos por todos não sendo, portanto, necessário detalha-los aqui. Caberia somente enfatizar seu aspecto central, qual seja, a recusa em aceitar a vontade majoritária do país, expressa por meio do voto popular. Assim, novamente reverberando atitudes semelhantes quando do primeiro e importantíssimo processo de aprofundamento da democracia formal em nosso país (entre 1945-1964), nossos liberais (de fato, conservadores e elitistas) somente aceitam a expressão democrática da população quando lhes convêm.

Tanto Lacerda como Aécio se recusaram a aceitar que o governo de então, seja esse o de Vargas ou de Goulart, no início dos anos 60, ou de Dilma, mais recentemente, pudesse estar em sintonia com os desejos da maioria da população. Lembremos que, embora seu governo estivesse imerso em uma das principais crises econômicas e paralisias políticas da história do país, Goulart continuava sendo um presidente extremamente popular, tendo obtido três vezes mais votos no plebiscito de retorno ao presidencialismo de janeiro de 1963, do que a quantidade de votos que o haviam elegido vice-presidente em 1960. Da mesma forma, seu partido, o PTB, quase dobrara sua delegação na Câmara Federal nas eleições congressuais de 1962, expressando, portanto, a concordância com a sua agenda de reformas por parte crescente de segmentos da população.

O medo e recusa em aceitar as regras democráticas é, pois, tradição recorrente dos liberais tupiniquins, ainda que os meios pelos quais isso se manifesta variem, incluindo desde operações de natureza militar até a promoção de desinformações, boatos e histeria por seus membros na mídia corporativa. Isso ocorreu tanto no início dos anos 60, como demonstrado novamente pela ação de Lacerda; no final dos anos 80, quando da campanha de terror contra Lula; e mesmo em anos ainda mais recentes, com o o devaneio sobre o suposto bolivarianismo do PT.

A grande inovação na implementação desse ativismo ao longo dos últimos tempos tem sido o uso do aparato formal do estado de direito, de natureza eminentemente liberal, para impedir o funcionamento da própria democracia formal, também de natureza liberal clássica, diga-se de passagem. A manifestação mais clara desse processo tem sido a subversão da lógica acusatória que deixa de presumir a inocência do acusado para deduzir sua culpabilidade necessária quando da existência da suposição de um possível interesse no ato ilícito.

Esse raciocínio invertido – e claramente negacionista – da lógica humanista fundante do pensamento liberal moderno é paradoxalmente exercido por agentes investidos na defesa do próprio estado liberal, que agem nesse sentido, de maneira mais frequente quando da remoção de atores políticos de grande apelo popular, como Lula, do jogo democrático. Subverte-se, assim, mais uma vez, a essência da tradição liberal a fim de que interesses oligárquicos, fortemente arraigados entre os ditos liberais dessas paragens tropicais, sejam defendidos.

O liberalismo clássico pressupõe a liberdade e igualdade de oportunidades para a participação no mercado econômico e arena política. Subterfúgios que impeçam esse exercício democrático, ainda que revestidos de carapaças formais legais ou salvacionismos moralistas de forte apelo emocional, contradizem fortemente a lógica liberal moderna. Já que grande parte da nossa trajetória política é mais circular do que progressista, não seria o caso de que nossos liberais se assumissem, de vez, por aquilo que realmente são: defensores pré-modernos da lei do mais forte e da eliminação da democracia popular?

RAFAEL R. IORIS é professor da Universidade de Denver e autor do livro Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista (2017)

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Escola sem partido: do conto do vigário ao Conto da Aia


 

Uma comissão na Câmara Federal está analisando as propostas do movimento Escola sem Partido, que quer modificar a Constituição e impor suas diretrizes para a educação pública do país. Muitos caem nesse conto do vigário, pois realmente creem que professores entram em sala de aula para fazer lavagem cerebral, doutrinando alunos a aumentar fileiras stalinistas, gayzistas, feminazis e de adoradores do tinhoso em geral. 

Só por isso, já se percebe que nunca puseram o pé numa sala de aula, pois imaginam crianças e adolescentes sem raciocínio, a absorver passivamente qualquer balela de professoras e professores. Pequeno parêntese aqui: os colegas “doutrinadores” mais persistentes que eu conheci queriam mais cristianismo, civismo, disciplina e valores familiares na escola... 


Há uma neurose pela neutralidade, como se fosse algo possível, concreto. E de que neutralidade estariam falando? Da que exige famílias representadas no modelo papai-mamãe-filhinhos, desconsiderando qualquer outra? Da que brada que conhecimento científico é só uma opinião, e que o mais importante no ensino são “valores” (quais)? Da que tacha movimentos sociais e por direitos humanos como baderna e crime? Da que impõe censura a livros, exposições e discussões? Da que provoca cinicamente e depois desce a mão em quem reage contra? Isso é neutralidade, torcida brasileira? Quem sofre de escassez neuronal acredita que sim, do mesmo jeito que acredita na existência da tal “ideologia de gênero”, a ameaçar nossa sociedade como a loira-fantasma, o homem-do-saco ou o boi-tatá.

|Jota Camelo|

Pra quem consegue raciocinar por 5 minutos que sejam, a manobra é evidente: formar legiões de zumbis que garantam no poder políticos ditos cristãos, a transformar a bíblia em Constituição e a inteligência em crime. Até lá, vão angariando “pessoas de bem”, convencidas da pureza dos argumentos, afinal, desde que surgiu nosso mundo, “família” é sempre a mesma, né? Desde o paleolítico éden. A-hã. A homossexualidade é coisa inventada para fazer parada gay, feminismo só leva à decadência de valores e à má-educação das crianças e conhecimento científico só é aceito se não contrariar a bíblia. 

A coisa toda vira uma experiência de Pavlov. Basta que se pronunciem palavras como direitos humanos, gênero, aquecimento global, movimentos sociais, cotas ou laicidade para que os modernos cruzados do escola sem partido noção salivem e caiam matando.

|Laerte|

Mas só o fato de esses projetos chegarem a ser discutidos em espaços de decisão política é assustador. Porque uma coisa é optar por viver nesse obscurantismo. Outra bem diferente é lutar para transformá-lo em lei, com punição dos não aderentes. Salve-se quem puder.

The Handmaid's Tale (Bruce Miller, 2017)