quinta-feira, 10 de maio de 2018

Escola sem partido: do conto do vigário ao Conto da Aia


 

Uma comissão na Câmara Federal está analisando as propostas do movimento Escola sem Partido, que quer modificar a Constituição e impor suas diretrizes para a educação pública do país. Muitos caem nesse conto do vigário, pois realmente creem que professores entram em sala de aula para fazer lavagem cerebral, doutrinando alunos a aumentar fileiras stalinistas, gayzistas, feminazis e de adoradores do tinhoso em geral. 

Só por isso, já se percebe que nunca puseram o pé numa sala de aula, pois imaginam crianças e adolescentes sem raciocínio, a absorver passivamente qualquer balela de professoras e professores. Pequeno parêntese aqui: os colegas “doutrinadores” mais persistentes que eu conheci queriam mais cristianismo, civismo, disciplina e valores familiares na escola... 


Há uma neurose pela neutralidade, como se fosse algo possível, concreto. E de que neutralidade estariam falando? Da que exige famílias representadas no modelo papai-mamãe-filhinhos, desconsiderando qualquer outra? Da que brada que conhecimento científico é só uma opinião, e que o mais importante no ensino são “valores” (quais)? Da que tacha movimentos sociais e por direitos humanos como baderna e crime? Da que impõe censura a livros, exposições e discussões? Da que provoca cinicamente e depois desce a mão em quem reage contra? Isso é neutralidade, torcida brasileira? Quem sofre de escassez neuronal acredita que sim, do mesmo jeito que acredita na existência da tal “ideologia de gênero”, a ameaçar nossa sociedade como a loira-fantasma, o homem-do-saco ou o boi-tatá.

|Jota Camelo|

Pra quem consegue raciocinar por 5 minutos que sejam, a manobra é evidente: formar legiões de zumbis que garantam no poder políticos ditos cristãos, a transformar a bíblia em Constituição e a inteligência em crime. Até lá, vão angariando “pessoas de bem”, convencidas da pureza dos argumentos, afinal, desde que surgiu nosso mundo, “família” é sempre a mesma, né? Desde o paleolítico éden. A-hã. A homossexualidade é coisa inventada para fazer parada gay, feminismo só leva à decadência de valores e à má-educação das crianças e conhecimento científico só é aceito se não contrariar a bíblia. 

A coisa toda vira uma experiência de Pavlov. Basta que se pronunciem palavras como direitos humanos, gênero, aquecimento global, movimentos sociais, cotas ou laicidade para que os modernos cruzados do escola sem partido noção salivem e caiam matando.

|Laerte|

Mas só o fato de esses projetos chegarem a ser discutidos em espaços de decisão política é assustador. Porque uma coisa é optar por viver nesse obscurantismo. Outra bem diferente é lutar para transformá-lo em lei, com punição dos não aderentes. Salve-se quem puder.

The Handmaid's Tale (Bruce Miller, 2017)