sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Infância traumatizada... ata...

Lendo artigo no El País sobre filmes dirigidos a crianças, mas que escorregam em vários momentos – segundo o autor – por conta de cenas violentas, angustiantes e etc.

Na lista do moço, Família Addams, Matilda, Esqueceram de mim, Beetlejuice, os fantasmas se divertem. Haveria neles “um roubo de inocência”, explicado pelo autor do artigo como “filmes com relatos em que as crianças estavam sob constante risco de morte. Eram histórias disfarçadas de piñatas festivas, mas que muitas vezes escondiam relatos que beiravam o terror”. Ah. 

Vou atrás da ficha do jornalista/crítico. Não encontro dados etários, porém, sua foto me revela vivente nascido nos anos 80. Ok. Tento não cair na esparrela do riso fácil contra gerações posteriores à minha, do escárnio aos medos alheios, da esfregação do “você não conhece nada” em rostos sem rugas. Fosse eu o poeta Gonzaga, lindos versos eu faria. Mas não, sou a velha/chata/misantropa de plantão, cujo caráter foi formado pela TV, por leituras impróprias, adultos sem noção, sofrência infantil causada por bullying (que atendia por outro nome ou nem atendia) e por aí vai.

Modos que momentos de roubo da inocência eram básicos. Não tô falando do Hering Rasti, com o qual nunca consegui produzir maravilhas que vinham estampadas em seu manual de instruções, como carrinhos de fórmula 1 ou moinhos de vento (certeza de que foram engenheiros que montaram aquela bosta toda). O máximo que eu conseguia eram prédios de apartamentos futuristas, que desabavam uma vez que eu terminava a cobertura... Também não tô falando do desastre que era a hora do lanche. Nada disso.

Tô falando do trauma de raiz, do estrago permanente, dos problemas cognitivos que o audiovisual dirigido às crianças nos anos 70 e 80 causaram. Beleza, a nossa Xuxa foi a Sônia Braga no Vila Sésamo; a gente tinha a maravilhosa Paula Saldanha e o Sítio do Pica Pau Amarelo. Mas isso não apagou uma geração de errados, emocionalmente bugados pela Sessão da Tarde. Sério, prezado colunista do El País, aquilo não era para fracos, e seja como for, você não tinha escolha.

Há vários exemplos, como a leva de filmes ingleses dos anos 60, num visual psicodelia & revolução industrial: o da pequena lontra adotada por um sujeito, que se torna amiguinha de um cachorro. Quando seu coração já estava repleto de amor aos animais, aos semelhantes e a um filme inglês de 1969, paf! A pequena lontra é morta com um golpe de picareta por um sujeito ruim da porra. É... Ou a saga de um menino e uma menina que fogem de um padrasto abusivo, tentando chegar à Irlanda. No caminho, precisam sobreviver às tentativas de assassinato de um tio que se disfarça de tudo, mas que sempre é reconhecido por ter um falcão tatuado no pulso. Tinha o lacrimal David Copperfield, uma *alegria* só... Ao mestre com carinho, no qual Sidney Poitier tenta civilizar uma turma bizarra de alunos de alguma quebrada pobre londrina – ensina as meninas a se darem o respeito, cas contrário, ninguém vai querer casar com elas... af!

Dos EUA vinham, entre outros, os malfadados filmes de superação ou “baseados em uma história real”, como o da moça que morre de câncer aos 20 anos e tem trilha sonora do John Denver (com este, aprendi a frase “mães ordeiras criam filhas neuróticas”); o da patinadora que perde a visão; do fugitivo que se esconde numa colônia de crianças cegas; ou o da adolescente que assume uma penca de irmãos depois que o pai viúvo morre, para que o serviço social não descubra que eles não têm mais nem pai nem mãe – ela queria ser escritora, mas têm que trabalhar na cantina da escola e etc e tal; todo trabalhado numa “promessa a Roy Luther” (o falecido pai, enterrado perto da casa de madeira que parece despencar, nos Apalaches).

E assim como o primeiro a Fantástica Fábrica de Chocolates, também tivemos O Leão e a Feiticeira, tirado das crônicas de Nárnia. Era um desenho animado com traços setentões, crianças com calças boca-de-sino, e que repetia, férias após férias, suas partes pavorosas – o caneco vai para o leão Aslan como prisioneiro da Feiticeira. Imaginário 2ª Guerra de raiz, com o leão amarrado, arrastado, tosado e torturado até a morte. Muita fofura e psicologia infantil...

Mas o vencedor da categoria era o bizarro, entre o camp e o gore, Os 5 mil dedos do Dr. T (meu amigo Cláudio se recusa a revê-lo, até hoje!). Sem exagero, inocência era coisa roubada a cada tarde, rapidamente substituída por angústia e sensação de abandono. E ainda tinha EMC na escola... Dá licença, né?