sábado, 20 de setembro de 2014

Da capacidade de ler e ouvir

Adoro um filme chamado L'Etoile du Nord (O Estrela do Norte, 1982), o último de Simone Signoret, no qual também está Philippe Noiret. Os dois fizeram cenas notáveis, que ultrapassam todo o enredo do thriller de Georges Simenon. São fantásticos os momentos em que Noiret conta histórias a Signoret. A maneira de contar é genial e, mais que tudo: a maneira como a ouvinte permanece atenta. 

Volta e meia me lembro do filme quando assisto/ouço/leio que hoje faltam bons contadores de histórias. Na minha opinião, bem pé-de-chinelo, acho que faltam bons ouvintes. E digo bons, pois acredito que não seja tão simples como “tenho orelhas, logo ouço”. Não. Ouvir pressupõe deixar que a história alheia tome conta da nossa atenção, da nossa imaginação, que realmente ocupe um espaço. Vai muito além do “distraia-me!”.

Atualmente, com a obsessão pelo protagonismo, parece que ouvir/assistir/ler o que o outro tem a dizer vai roubar a minha luz, o meu lugar em cena. Há tamanho medo de ficar pra sempre esquecido nas coxias ou no escuro, que suspender os próprios solilóquios e simplesmente deixar que a história alheia capte a atenção parece ser um sofrimento. E muitas vezes, não se trata apenas de não ouvir, mas de não deixar que a audiência se interesse por outras histórias que não as minhas. É preciso fazer muito barulho, sempre. Ou ainda, em caso de inevitabilidade, o recurso é me encaixar na história alheia que tanto agrada aos outros. 

Existe também a certeza de que a minha experiência ultrapassa todas as outras, e que se você não experimentou a mesma coisa, então, apenas admire a minha perícia e a minha sensibilidade. Sua história nunca será tão boa quanto a minha; ao menos, não há espaço pra ela, pois a minha história ocupa todos os espaços da minha própria atenção. No máximo, deixo a você meu silêncio entendiado. 

Quem não sabe ouvir toma seus referenciais como fiel universal da balança, e derrama condescendência ao seu redor. Quem não sabe ouvir acredita que a própria atenção seja um prêmio que destina aos outros, e que qualquer atenção é melhor que nada. Não é! Nada pior que a atenção doada como se fosse favor. Desatenção e necessidade “de protagonizar”, o tempo todo, são complementares. 

Isso leva aos maus leitores. Que são os que não conseguem mergulhar nas várias camadas de um texto. Optam por passar pela superfície, de leve, como quem bota um dedo na água apenas. Só pra testar. E atravessam o aguaceiro dos livros pulando entre as referências seguras, entre os temas já conhecidos. Só leio o que eu quero da sua história. E, claro, reclamo de não ter encontrado ali as minhas próprias referências. Pois no fim das contas, a ideia parece ser essa: se o que eu não conheço estiver num texto, é sinal de que não é bom. Se não houver os mesmos referenciais que os meus, e expressos de maneira surpreendente, eu desisto.

Desanimador.