sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Isso não quer dizer que...

Fico assaz e deveras quando, na ânsia de defender oprimidos históricos, vão-se amarrando uns nós, cada vez mais fortes, uns sobre os outros, impedindo ideias. São aquelas verdades absolutas, berradas e jogadas na cara de quem não concorda. É aquele gesto que torce palavras, aquelas associações fáceis, disfarçadas de “denúncia”, que resvalam rapidinho para um denuncismo idiotizante (e autoritário).

Muitos defensores da prática acabam por repetir o que mais condenam, apenas se utilizando de outros exemplos; a prática permanece a mesma – afinal, filiações políticas não garantem, a priori, ideias e práticas inteligentes, certo?

Sendo assim, o Trator Didático – já em idade canônica e com prática em sala de aula iniciada no século passado – gostaria de relembrar alguns pontos:

☛ Discordar de uma mulher não significa, automaticamente, misoginia; 
☛ Discordar de uma pessoa negra não significa racismo;
☛ Discordar de uma pessoa homossexual não significa homofobia;
☛ Discordar de alguém que crê não significa intolerância religiosa;
☛ Discordar de alguém com deficiência física não significa preconceito. 

E tudo isso não quer dizer ter de aceitar discurso machista e caquético como direito à opinião ou lei da natureza; não quer dizer silenciar e desautorizar as pessoas, a priori, por conta de raça, orientação sexual, escolhas religiosas, características físicas. Isso sim é preconceito, desrespeito, incitação à violência em tantos casos. 

Discorda-se das ideias, uma vez que as pessoas as apresentam. Isso pressupõe ouvir, pressupõe diálogo, debate. 

Mas é mais fácil já definir campos antes mesmo que a prosa se entabule, não é mesmo? E aí, há criaturas que delimitam o mundo a um quintalzinho, separando as pessoas pelo que acredita serem signos indicadores de referenciais, amalgamando o que não tem nada a ver e impondo essa mixórdia como discurso esclarecido e questionador – comportamento que ocorre igualzinho, dentro de espectros políticos opostos. As associações fáceis, o comportamento vinagre e a birra infantiloide são os mesmos, afinal, há criaturas que não conseguem evoluir de estágios mais básicos do pensamento.

O estrago nisso é que passam defender o indefensável, a associar o que é totalmente distinto e a procurar quem não compartilha dessas “determinações”, passa a ver “desvios” nas escolhas, a sentir ameaças em palavras e também em silêncios. Na busca de protagonismos e de reconhecimento, detonam o que não compreendem (acreditando tudo saber), passam por cima da diferença que tanto propalam, aceitam atitudes-lixo que associam a ideais grandiosos ou lutas arrojadas, mas que não passam de mitologias precárias, realimentadas por debate que mal consegue preencher os próprios limites...

Aí, a solução, é ganhar espaço (qual mesmo?) no berro e no sensacionalismo, acreditando que servem quando usados para uma “uma boa causa”. A causa própria, claro, que enxergam como roteiro para a vida da humanidade inteira. Nos últimos dias, isso tem sido desesperador: quem partir para a análise (ou apenas uma reflexão) mais aprofundada, que vise contextos históricos, por exemplo, é acusado de apologia ao terrorismo; quem discordar de práticas autoritárias que querem dominar a voz de determinados grupos e calar outros pela violência é denunciado como extrema-direita, alienado... blablablá. O discurso mais alucinado tenta defender pessoas fazendo a apologia a coisas que essas mesmas pessoas detestam, e do que tentam se afastar, pedindo que não se façam amálgamas. Quédizê, na ânsia de encontrar oprimidos, esses “combatentes da liberdade” (via palavrório)  acabam fazendo as mesmas associações que os reacionários mais asquerosos. Idiotia por todos os lados!

Oscar, meus sais! De bário...

Indicação urgente para o fim de semana: o documentário The Queen and I (2009), da diretora  Nahid Persson Sarvestani – são entrevistas e momentos diversos entre a diretora, iraniana, de uma família militante comunista, e a ex-imperatriz da Pérsia, Farah Pahlavi, viúva do xá. Sensacional para perceber como não dá para aplainar a vida, as ideias e os contextos na base do rolo compressor. Cérebros binários entram em curto circuito na primeira meia hora do documentário (certos de que se trata de uma defesa da monarquia iraniana, hehehe...).

(não achei o trailer legendado, mas há versões com boas legendas em português)