terça-feira, 13 de janeiro de 2015

“Se aproveitar de uma tragédia pra se sentir especial”



Trecho da entrevista de Arnaldo Branco ao Livre Opinião.

Em relação à repercussão do caso, está havendo pessoas que apontam  a conduta do Charlie Hebdo como machista, homofóbica e racista em suas críticas, outros de que o jornal satírico precisa ser politicamente incorreto. Qual é a sua posição sobre o assunto?
Uma premissa falsa usada por oportunistas. A maior vítima do jornal era a extrema direita que persegue muçulmanos, negros, homossexuais – agora uns desavisados que nunca tinham ouvido falar no Charlie Hebdo discorrem como se fossem especialistas sobre o conteúdo de uma publicação de mais de quarenta anos. Aquele site Brasil 247 tentou imputar ao jornal um cartum racista que na verdade foi publicado em um tabloide fascista, e mesmo o material que está saindo por aí – que realmente foi publicado no Charlie – só mostram cartunistas zoando os fundamentalistas e desenhando  Maomé (desrespeitosamente, é verdade, mas no mesmo nível de outros cartuns e esquetes que já vi por aí brincando com outros profetas/mártires), justamente porque grupos extremistas afirmaram que atacariam quem fizesse isso. Aquilo não era um desrespeito puro simples – era também um ato de desafio contra a brutalidade.
Eu tenho discos de heavy metal lá em casa com capas muito mais desabonadoras sobre Jesus Cristo. E boa parte das piadas eram até bobas, sobre motes engraçadinhos, tipo sobre as virgens que os terroristas suicidas esperam encontrar no céu. Que porcaria de causa fraca é essa que precisa vingar um cartum?
“Os cartuns são racistas, retratam os islâmicos como terroristas”. Sim – os que são efetivamente terroristas.Trazendo para o nosso contexto: quando você faz um cartum com um traficante de AR-15 e chinelo, não está chamando todos os favelados de bandidos – você está retratando uma minoria (a Rocinha, por exemplo, tem 200 mil habitantes e é controlada por um bando de 100 caras armados) que efetivamente tem grande efeito na vida da comunidade. Todos conhecem as circunstâncias que levam um sujeito ao crime organizado, mas a prática não é menos odiosa – nenhuma miséria justifica a predisposição para o assassinato, senão muito mais gente estaria formando com os traficantes. Digo isso friamente, sem achar que a pena de morte ou redução da maioridade penal seja a solução pra nada – mas também não vou me compadecer da situação de alguém que acha matar um recurso válido. Quando um bandido morre em uma ação da polícia não sinto pena, mas também não me sinto vingado. Pelo mesmo motivo não senti nenhuma emoção quando a polícia francesa cercou os autores do atentado – nenhum desfecho iria trazer o Wolinski de volta, e quem quer que tome esse caminho de violência na vida entende o próprio assassinato como um revés possível do ofício. Condenar um homem-bomba à pena de morte me parece o cúmulo da inutilidade.
Outra coisa: esses caras do #jenesuispascharlie acham que só eles enxergam as implicações e desdobramentos do atentado, se acham o último farol da humanidade, ficam nas redes sociais exibindo sua pretensa sagacidade, dizendo coisas tipo “será que só eu percebo que o Sarkozy é um hipócrita quando fala em liberdade de expressão?” Não, fera, tem a maior galera que se liga nisso, mas nem todo mundo tem a manha de se aproveitar de uma tragédia pra se sentir especial. O que esses relativizadores estão fazendo é contestar luto em velório.
E pior é esse povo que fica repetindo “não teve toda essa comoção com o massacre tal”, como se fosse um campeonato de tragédia. Geralmente você vai na timeline desse pessoal e tem mais foto de almoço do que solidariedade com os oprimidos.