sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Ainda o Charlie. Bof!


Hoje, vários comentários e textos sobre a última capa do francês Charlie Hebdo. O mau gosto, a falta de respeito e, sobretudo, “retiro o meu Je suis Charlie”...

Só que Charlie Hebdo é isso, desde sua origem. Mesmo antes, quando seus criadores mantinham a revista Hara-Kiri. Parte de sua produção é podrona, grosseira. Sempre foi assim, há mais de 50 anos.

Não rola humor “inteligente, sutil e bem engajado”; apesar da crítica política, o que sobra é merda no ventilador, e salve-se quem quiser. Piadas sobre muçulmanos, campos de concentração, estupro, pobreza, entre outras, tudo sempre esteve ali – ao lado de denúncias contra ditaduras latino-americanas, por exemplo (umas de suas capas setentonas faz referência ao Chile, com um par de testículos torcido por um alicate).

Seus autores e desenhistas se definiam e definem como provocadores. São iconoclastas de verdade, até contra o que achamos válido. Temos que gostar disso? Não. Folheei poucos números da revista, tem muita coisa que acho ofensiva, por vezes, baixa. Então, não leio. Ninguém me obriga a fazê-lo. E esse meu desagrado não me impediu de ficar passada e plissada com o atentado de um ano atrás. E ainda me dá tristeza quando topo com uma entrevista antiga do Cabu ou do Wolinski.

Injustificável o que houve na redação do Charlie. Foi crime. Não importa se foi contra provocadores, contra quem desconhecia o “limite do aceitável”, contra quem “exagerava na dose” ou “não tinha o menor respeito”. Foi crime. Mesmo que eu deteste as caricaturas; mesmo que eu ache podre o machismo, a piada que humilha. Foi crime mesmo assim.

Quanto aos remanescentes da revista, continuam no mesmo caminho, radicalizando. Gosto? Não. Mas é assim que é a publicação. Desde o início. Moçada tem o direito de detestar e dizer por quê. Só que aí, a coisa resvala para as “análises abalizadas”, aquelas bem básicas e imediatas, que se colocam do “lado correto”, denunciando quem ali não está – e que tinha obrigação de, afinal, recebeu tanto apoio do mundo todo, inclusive o meu, né? Hora de sacar da manga a indignação.

Sério: a capa da revista é podre? Diga que é, critique. Mas não busque na publicação algo que ela nunca se propôs fazer. Charlie Hebdo nunca teve o apanágio da ironia refinada, não é de hoje, e é preciso situar essas edições, entender sua origem, suas ideias (não necessariamente concordar).

Agora, se você defendeu o direito à expressão destes humoristas e se dá conta de que não é o seu tipo de humor, problema seu. Conheça a história deles, antes de tudo, e não queira que uma produção existente desde 1960 se encaixe nas suas próprias escolhas, na sua militância, na sua ideia do que deva ou não ser humor.