sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Proibindo Hitler


Entre um Aedes aegypti, um crime ambiental de mineradora e a violência policial benzida pelo Estado, é a republicação de um livro que tem esquentado a virtuália.

Juízes, juízas, abaixo-assinados e muita gente querendo aparecer garantem o puxa-e-afrouxa, pedindo a proibição do livro Minha Luta, a retirada de exemplares da vitrine, capas “mais sóbrias”. A imprensona, claro, a postos, garantindo clics e comentários naquele banho-maria de lugares-comuníssimos e ideias de pé quebrado.

Detesto teorias da conspiração, mas que tudo isso parece campanha de marketing, ah, parece. Mas participariam nossos juízes da farsa? HAHAHA! E se a resposta for negativa, é tão ruim quanto, pois assinala que estão acreditando, pondo fé nas decisões que impõem.

Bom, há sempre a hipótese das pessoas com uma necessidade patológica de atenção, que ultrapassa interesses comerciais ou o fetiche legalista. Seja como for, o FEBEAPÁ da semana garante canecos pra todo mundo, incluindo historiadores inteligentes; um deles referiu-se à falta de veracidade, de valor filosófico e histórico do texto

Se isso for argumento, bora proibir o texto do Demétrio Magnoli, que afirma que cotas são discriminação reversa? Ou Brasil sempre, que explica ser necessário torturar para combater a ameaça vermelha que ceifa a vida de homens de bem? Sem contar o valor filosófico de livros como O monge e o executivo, O segredo, Saúde Emocional e |____________| (insira aqui a sua bobajada preferida), não é mesmo?

Outro caneco vai para os que sublinham o perigo de uma possível legião de neo-nazistas que surgiria logo após a leitura do livro. Francamente, acho que seria espantoso o fato de simpatizantes do nazismo folhearem um livro e entenderem frases mais complexas. Pois mesmo que Mein Kampf seja uma montoeira de chavões toscos, amálgamas estúpidos e violência disfarçada de iluminação política, mesmo assim, é necessário conseguir ler parágrafos com mais de uma linha. E eles são vários e são muito chatos. 

Mas essa moçada da toga e das assinaturas tá sabendo que o texto circula livremente e é facilmente acessível desde sempre? Alguém tem que ir lá avisar e explicar que, mesmo antes da Internet, havia uma tecnologia chamada fotocópia; também permitia a divulgação e a disseminação de uma pá de escritos, uma loucura! 

Há o revoltadão-online, como sempre achando que isso é coisa de esquerdopata, do PT e das feministas, que parabeniza o chanceler alemão pelo conjunto da obra e se pergunta por que não proíbem também O Capital, num verdadeiro espetáculo de raciocínio e erudição.

Tem a turma que pede “capas discretas”, pois imagens do Führer & suásticas serviriam como promoção do nazismo, do antissemitismo e blábláblá. History Channel tá com os dias contados, então?

Consigo entender que a aversão a determinadas ideias asquerosas possa provocar a vontade de banimento delas. Logo que eu comecei a usar a internétchi no século passado, participei de um daqueles abaixo-assinados inócuos que ficavam circulando por email -- o dito cujo pedia que uma editora gaúcha de textos nazistas não tivesse o mesmo espaço que outras editoras numa feira de livros nem lembro onde. Mas ideias não se banem. Elas podem ser combatidas, discutidas, questionadas, e pra isso, é preciso entendê-las, não tentar apagá-las.

Tem quem diga que as pessoas não sabem discernir, que tem muito professor burro, que tem oportunistas panfletários, que a imprensa não ajuda, que a maria-mole rosa já não é a mesma. Sim, tudo isso é verdade. Mas a proibição de um livro é que vai solucionar tudo isso, magicamente?

Também vão aparecer as citações a Fahrenheit 451, infelizmente não as melhores, e muitas com base no “ouvi dizer” ou “vi o filme”, que deixa a desejar. Pois uma das coisas geniais do livro é a explicação que dá o Capitão Beatty sobre como se chegou à proibição dos livros: as pessoas começaram a solicitá-la, depois se habituaram. De bom grado substituíram a leitura pela distração, pelas “telas múltiplas”, pela informação desnecessária e contínua, pela publicidade, pelo consumo. Tudo isso passou a dar uma sensação de movimento, sem que ele existisse. Era mais confortável e mais seguro. Não houve um golpe autoritário bem marcado, houve uma outorga das pessoas aos governantes e juízes, pois desejaram suprimir o que fosse contraditório, complexo, inquietante, ofensivo.